5 de abr. de 2010

Livro: O ANJO DE MATO GROSSO - Hans Haller - PARTE FINAL

10. O Museu - Parte II

Graziella perguntou: „Você já nos contou a respeito da malária. Ela é muito comum no Brasil?“

„Ela não existe no país todo. É comum em algumas regiões do Amazonas e do Pantanal e a malária mata muita gente no Mato Grosso. Uma mãe já havia perdido uma filha e outra já estava com esta terrível doença. A pobre mulher não sabia o que fazer quando a menina era sacudida pelos ataques de febre. Não havia médicos ou hospital por perto e ela, também, não saberia com que pagá-los.

No seu desespero, a família levou a doente numa rede até o rio próximo e a deitaram nele. Eles achavam que a água iria refrescar o corpo. Então aconteceu uma coisa assustadora: por causa da fraqueza da musculatura, o rosto da menina ficou virado para trás e não havia meio de voltar. A menina parecia um monstro e andava para trás para ver onde pisava.

Semanas mais tarde, um visitante viu a pobrezinha e perguntou à mulher porque ela não a levava até à mulher suíça.

Ela seguiu o seu conselho. Quando os carregadores chegaram até mim com a sua carga, eu, de imediato, não sabia o que devia fazer. Eu rezei para que Deus me iluminasse. Então eu me lembrei de um homem forte, a quem eu tinha ajudado a tempos atrás. Mandei chamá-lo e lhe disse que eu o havia ajudado sem paga, mas que agora eu precisava que ele pagasse a sua dívida comigo.

Ele perguntou: „O que é que eu devo fazer?“

„Eu mostrei a ele como deveria segurar a cabeça da menina e virar devagarinho. Depois de virar alguns centímetros, pedi que parasse e coloquei gesso para fixar o crânio nesta posição. No ritmo de alguns dias, eu repetia tudo até o rosto mostrar para frente outra vez. Além disso, a paciente finalmente recebeu comida suficiente para fortalecer seu corpo.

Às vezes, o fortão reclamava quando eu o chamava demais. Porém, eu o fazia calar dizendo: Como seria se você estivesse doente? Você, com certeza, gostaria que alguém a ajudasse, não é ?

Com o passar dos anos, esta frase me ajudou a conseguir muita coisa: abrir portas cerradas de repartições, ricos, médicos e hospitais.

A menina ficou durante várias semanas comigo até poder voltar curada para casa. Eu a encontrei várias vezes. Ela agora é uma mulher bonita com família. Nada mais lembra a sua antiga deficiência.“

E Rita perguntou: „Quando você nos contou a respeito dos partos, você disse que tinha receio de beber da água que as pessoas lhe ofereciam. A situação é tão ruim mesmo?“

„Com certeza! Eu nem me lembro quantos filtros d’água eu distribui e mostrei o manuseio às famílias pobres. Assim, elas podiam livrar a água de bactérias que provocam doenças. Eles buscavam a água de córregos e rios, muitas vezes poluídos, ou de poços abertos no fundo de seus quintais.
Graziella falou: „Esta gente é bem resistente! Eu acho que, nestas circunstâncias, nós logo iríamos ficar doentes e morrer.“

„Você tem razão minha querida.“

Rachel distribuiu às suas visitantes um retrato da obra de sua vida.

„Aqui vocês vão ler um resumo da minha vida e da minha fundação. Muita coisa eu tenho contado, mais detalhadamente, a vocês nas últimas semanas. – No intervalo eu vou fazer um chá para nós.“

Depois de a anfitriã ter servido o chá, Maria perguntou: “No folheto está escrito que você recebeu, em 1976, a medalha Marechal Rondon e, em 1990, o título de comandante. O que significa isto?“

Rachel levantou-se e buscou de uma das gavetas, uma caixa de papelão. Tirou dela uma pesada corrente dourada com uma medalha em forma de estrela. Ela a colocou no pescoço de Maria.

„O Marechal Rondon foi um pioneiro brasileiro. Ele fazia excursões para a Bacia Amazônica e colocava linhas telegráficas. A maior condecoração brasileira, por ação humanitária, recebeu o nome dele. A Rebecca também pode ser chamada de comandante. Nós recebemos esta honra mutuamente. Gostei muito, também, de ter recebido o prêmio Adele Duttweiler em 1987. Isto demonstrou que a minha obra, também, foi reconhecida em minha pátria. Além disso, ele era dotado com uma quantia de Fr.50'000,00 que, junto com a coleta da Televisão da Suíça Francesa naquele ano, possibilitou a construção de um novo hospital em meu terreno.“

Anna falou: „Com 69 anos de idade, quando a maioria das pessoas se retiram e aposentam, você finalmente conseguiu concretizar planos sonhados em sua vida toda.“

É. Numa parte do terreno estava a escola e na outra o hospital. Finalmente e de boa consciência, eu o podia chamar de hospital. Como você disse Anna, eu rea-lizei meu sonho bem tarde, mas pude ao menos, por alguns anos, trabalhar nesta minha nova casa.“

„O importante é que nem tudo acabe, quando você não puder mais trabalhar. Porque você não tomou providências antes?“

„Como eu já mencionei antes, eu várias vezes tentei. Infelizmente, não era tão fácil assim. Amigos de meu trabalho achavam que era necessário 4 pessoas para realizar o tanto que eu fazia. Quem faria isto sem ou quase sem paga? Além disso, é difícil poder confiar nas pessoas no Brasil. As pessoas são muito simpáticas e alegres, mas é preciso sempre animá-las a trabalhar e as controlar. Como vocês mesmo perceberam, é necessário um controle da Suíça para que as doações continuem. Meus patriotas devem pensar, quando ouvem a palavra Brasil: no Rio de Janeiro, no carnaval, praias e mulheres bonitas. O Mato Grosso não tem nada disso. O clima é arrazante e não é qualquer um que aguenta.“

Rita perguntou: „Porque você passou, nos últimos anos, tanto tempo na Suíça ? Eu já a tinha visto mais vezes aqui. E você não poderia ter tratado dos seus olhos no Brasil?“

„O motivo foi a minha irmã Rebecca. Desde a sua operação ela não é mais a mesma. Ela não pode mais viajar para os trópicos e não pode mais fazer trabalhos pesados. Eu a ajudo no que posso. Eu não quero ter remorsos mais tarde.“

„Isto eu compreendo. Quantas pessoas nem ligam para seus parentes enquanto estão vivos. Depois ficam chorando, lamentando e usando luto, vão diariamente ao cemitério e ficam rezando pela alma na igreja. Isto eu chamo de hipocrisia! Eu tenho muito respeito pelo seu comportamento. Também aqui você relega suas pretenções e cuida dos seus parentes.“

Por um momento todas se calam. Graziella interrompe este silêncio:

„Você já sabe quando vai ter que operar o seu olho?“

„Sei. A médica em Lörrach mandou-me para um especialista em Basiléia. Ele planejou a cirurgia para daqui a dois meses. Depois que um dos meus amigos interviu, ele antecipou para a semana que vem. Ele explicou que eu tinha que viajar urgentemente para o Brasil.“

Maria perguntou: „Você está querendo ir?“

„Claro. Eu tenho que ir ver como é que as coisas vão indo e também pensar na minha sucessão. Já há alguns meses que eu vivo das minhas economias. A vida na Suíça é cara. Mas eu não fico sem fazer nada. Eu tenho que atender inúmeros tele-fonemas. Há sempre interessados querendo documentação, fotos ou cópias. Eu também tenho muitas cartas para responder.

Pois é, então eu contei para vocês as estações da minha vida e espero que vocês não tenham ficado decepcionadas.“

Todas sacudiram a cabeça.

Graziella tinha mais uma pergunta: „A sua vida parece bem positiva e bem suce-dida. Você nunca teve que aceitar derrotas?“

„Tive sim. Mas vocês devem saber como a memória humana funciona. A gente reprime as coisas desagradáveis e só permanecem as boas. E como você está perguntando tão diretamente, Graziella, eu não vou deixar de contar uma história que muito me abalou:

Em 1986, eu queria passar a minha obra para alguém mais jovem. Havia no Mato Grosso um grupo alemão interessado nela. Os responsáveis prometeram continuar a administrá-la como até então. Posteriormente, eu percebi que foi um dos meus maiores erros ter deixado esta gente entrar no meu terreno. Eles começaram a se alastrar cada vez mais, querendo ficar com a minha propriedade e mesmo me expulsando de lá.“

Graziella objectou: „Como é que isto foi possível?“

„Aquela gente era criminosa. Eles até pretendiam me matar e inclusive me ameaçaram. Eles falsificaram contratos e afirmaram que lhes teria transferido tudo. O processo durou anos. Somente há alguns meses atrás, os juízes me deram razão. Enfim, posso ficar descansada. Vocês muitas vezes me perguntaram a respeito da minha sucessão. Depois desta experiência, eu fiquei com pé atrás. E o processo, ainda em andamento, me deixava sem muita opção para procurar alguém. Agora, eu rezo todos os dias para que eu ache a pessoa certa para continuar a minha obra.“

Suas amigas acenam em sinal de compreensão. Rachel diz terminando:

„É lógico que nós continuaremos a nos encontrar. Mas também desejo ouvir sobre suas vidas e prometo contar mais histórias que eu tenha deixado para trás. Por sinal eu vou visitar a Rebecca amanhã. Você quer me acompanhar, Anna ?“

„Com muito prazer. Eu gostaria de ver como ela mora. Eu imagino que também a casa dela deve estar cheia de recordações assim como a sua.“

„É verdade. Eu passo aqui às 8 horas e nós tomamos o ônibus em frente ao correio. A casa dela fica perto de um ponto do ônibus.“

A casa da Rebecca fica um pouco escondida, em um bairro perto do supermercado Innovatione. Assim que as visitantes passam pelo portão, entrando num grande jardim, têm a impressão de estar no Brasil: não tem gramado cortadinho, nem canteiros com legumes. Lá nascem arbustos e árvores e numa delas tem até uma cobra de borracha dependurada.

A velhinha fortona cumprimentou amavelmente sua irmã e sua colega de escola. Elas se sentaram debaixo de um alpendre e conversaram sobre tempos passados.

Depois da conversa inicial, Rachel perguntou: „Rebecca, você não quer mostrar para a Anna suas tartarugas?“

„Mostro sim, se é que ela está interessada.“

Anna respondeu que sim. Rebecca mostra um cercadinho atrás da casa. Olhando rápido, a Anna Pedroni não conseguiu distinguir quase nada sobre a terra escura e poeirenta. Quando olhou melhor, e chegou mais perto, ela viu os quatro réptis de cerca de 30 centímentros de comprimento cada. As couraças são quase tão escuras como a terra. Além disso, estavam todas sujas de poeira.

„De onde você trouxe estes bichos?“

„Eu as trouxe do Brasil, naquela época. Sem elas, o gato e os papagaios eu não posso viver.“

„Porquê? Você também tem os outros bichos?“

„Tenho. Aqui vem o Maxli, meu gato brasileiro. Até ele voou sobre o oceano.“

„O gato vermelho e branco rala nas pernas das mulheres e quer ser acariciado. Elas deixam as tartarrugas para trás e entram na casa. Se a Anna achava que a casa da Rachel parecia o Mato Grosso, aqui então, parece um museu. Não é tão clara como a moradia de Rachel, que é mais nova e pintada de branco. O antigo galpão militar é mais velho e simples. Também os móveis são de uma época passada.

Aqui predominam, mais do que em Brissago, os objetos de recordação da segunda pátria da moradora. Índios pensariam estar num arsenal de armas, pois, nos cantos existem cestos com arcos, flexas e lanças. Aqui também não faltam crocodilos empalhados, morcegos e outros bichos mortos.

De início, Anna ficou com dó da Rebecca, pensando que ela tivesse que morar neste cômodo tão pequeno. Depois, quando ela passa por um corredor e chega até uma grande sala, ela fica de boca aberta. Ela conta ao todo nove papagaios em gaiolas. Duas araras estão sem penas, exceto as asas. Suas penas coloridas dão uma idéia de sua antiga beleza.

Rebecca tira um dos pássaros verdes de uma outra gaiola e o coloca sobre seu braço.

„Estas são as amazonas de cabeça azul. Assim como as araras, eu as importei, naquela época, do Brasil. Este é um filho daquele casal.“

Anna Pedroni não sabe de onde os bichos têm seus nomes. Ela não está vendo nada de azul. Pelo menos eles estão com todas as penas.

„Hoje em dia não é mais tão facil importar estes bichos.“

„Você tem razão.“

Este cômodo também esta repleto de recordações de uma vida realizada. Anna está impressionada. Ela vai contar tudo para amigas no Lar.

As três mulheres passam uma manhã agradável e divertida.







O dia oficial de edição deste livro, escrito no original em alemão por Hans Haller, foi no dia 30 de junho de 1998. Aqui foi postado tal como foi feita a tradução, sendo que não foram corrigidos eventuais erros de português.


Quem está lembrado do primeiro capítulo, deve ter percebido que Rachel Steingruber completou neste dia o seu 80° aniversário. Seus olhos melhoraram depois da operação.

O tempo passou, Rachele e Rebecca mudaram-se definitivamente para o Brasil. Aqui, entre seus verdadeiros amigos, elas descansaram em paz. Receberam muito amor até seus últimos dias.


Rachel Steingruber faleceu em14 junho de 2005, Rebecca faleceu em 18 de agosto de 2005 .

Quem sabe talvez esta narrativa anime alguém. Rachele e Rebecca merecem.

Rachel Steingruber consagrou toda a sua vida aos pobres e nunca pensou em si mesma. . .


Seu trabalho continua. A Instituição está melhor estruturada, com uma equipe maior, com credibilidade, sempre amparada pelos Anjos de Mato Grosso, que nos acompanham do mundo espiritual...


Nossa eterna gratidão a vocês, Rachele e Rebecca, pelo exemplo p/ nossas vidas.


SAUDADES...






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