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3. A Enfermeira da Missão (Parte IV)
A Rosa observou: ”Você teve uma vida perigosa”.
”Sim, mas o que mais me preocupava era como conseguir comprar medicamentos. O estoque trazido da Europa estava diminuindo. Então eu aproveitei de uma moda da gigantesca cidade de São Paulo. Da mesma forma como faziam os mendigos naquela época, eu arrumei um saco nas costas e fui a uma certa rua onde clinicavam muitos médicos. Havia prédios inteiros ocupados por eles. Eu batia em cada porta, contando sempre a minha história. Os senhores de avental branco abriam suas gavetas, onde tinham suas amostras grátis, recebidas dos laboratórios e fábricas. A dosagem estava escrita nas bulas e folhetos, permitindo que eu os usasse adequadamente.
Estes dias em São Paulo, normalmente, me davam uma boa colheita. Somente dois médicos fecharam suas portas no meu nariz. Eu fiquei pensando - por quê? - Medo de concorrência não podia ser. Mas eu não liguei e tentei minha sorte em outro consultório. Assim, eu podia continuar a atuar sem fazer muitas despesas que eu, também, não poderia arcar.
Logicamente nem tudo podia ser resolvido desta maneira. Por sorte, crescia o número dos meus amigos e donatários na Suíça. Mesmo assim, a minha conta não recebia centenas ou milhares de francos suíços. Mas mesmo pequenas doações podem fazer milagres, quando a gente faz economia e só compra o extremamente necessário. Fazia malabbarismos para conseguir fazer isto. E , felizmente, sempre dava resultado. Muitas vezes, era obrigada a dividir o último comprimido em pedacinhos tão pequenos, mas que ainda fizessem efeito.
Na minha pátria, eu também estava acostumada a viver simplesmente e sem luxo. Na realidade, eu não renunciei a uma vida segura e sem problemas. Por outro lado, me impressionava a alegria, o relaxamento e a atitude positiva dos brasileiros. Eles combinavam melhor com o meu caracter sem reserva do que com os reservados e comedidos germânicos. Nós latinos mostramos mais alegria de viver.”
”Quando eu recebia flores dos pacientes, eu normalmente dava um sorriso manhoso e melancólico. Eu sabia muito bem de onde elas vinham: do lado da minha casinha de barro, onde eu cultivava um jardinzinho. Os doentes arrancavam as flores, enquanto eu visitava pacientes.
Em 1959, uma emissora de televisão me convidou para relatar sobre o meu trabalho. Recebi algum dinheiro, objetos e medicamentos. Dentre os objetos, também, havia uma velha poltrona, que ainda hoje gosto de usar, principalmente, como cama, quando meu hospital está superlotado. Eu costumo usar muito este móvel querido durante as minhas estadias no Brasil.”
Graziella perguntou: ”Rachel, você nos conta histórias realmente arrepiantes. Existem tantas doenças no Mato Grosso ou os brasileiros são tão suscetíveis ?”
Diversas doenças, muito frequentes, são ocasionadas pela desnutrição. Nesta região, os alimentos estragam rapidamente. Se alguém guarda macarrão ou farinha de trigo abertos, em três dias ficam cheios de gorgulhos, por causa do úmido calor tropical. Os ovos das moscas chocam rapidinho.
Se, por acaso, as pessoas se coçam, as moscas põem seus ovos nos arranhões. Deles saem vermes, deixando a pele em estado lastimável. Os indígenas primitivos são ignorantes neste aspecto e não sabem se proteger.

Eles misturam a carne do porco do mato ou a de boi com farinha de mandioca e a fritam de leve, mesmo sabendo que os açougueiros dependuram, ao ar livre, as carnes dos animais abatidos, onde elas são assediadas por milhões de moscas. Parece milagre que não haja mais gente morrendo de infecções. Já na idade infantil existe uma seleção rígida. Quem continua vivo, fica de uma certa forma imune. Seu corpo tem anticorpos suficientes contra a infestação.
Muitas crianças são acometidas do tétano e os pais procuram o motivo em outro lugar. Eles dizem que foi o mau olhado dos vizinhos invejosos que as enfeitiçou.
Quase ninguém planta ou come legumes nesta terra que é um paraíso. Só tem um porém: tem que haver chuva suficiente. Mas todo ano vem uma horrível seca para os homens e animais. A umidade do ar não é suficiente para as necessidades das plantas.
Com uma irrigação razoável poderia se salvar muita coisa. Desta forma, conseguiram, nos últimos anos, fazer um verdadeiro paraíso na região de Petrolina, às margens do Rio São Francisco. No Mato Grosso, por exemplo, nascem abóboras maravilhosas, que os índios dão aos porcos. Não só a desnutrição, como também a falta de vitaminas fazem as pessoas ficarem anêmicas e doentes. Elas não se preocupam com a qualidade da comida. Não conhecem o valor nutritivo dos alimentos. Eu fiquei conhecendo o mamão, uma fruta parecida com o melão que nasce em árvores. Além disto, eu preparava duas folhagens como espinafre. Quando eu tentava convencer as pessoas a comerem, elas respondiam que não eram animais e não comiam capim.
Na região do Amazonas, os trabalhadores da indústria pesada consomem, a vida toda, apenas arroz, feijão e carne. Com trabalho de anos eu pelo menos consegui ter algum sucesso.”
A Rita completou: ”Eu também ouvi falar de brasileiras na Suíça que, no começo, tinham dificuldades com a nossa comida. Alface e espinafre, provavelmente, não deviam fazer parte do menu brasileiro.”
A Rosa observou: ”Você teve uma vida perigosa”.
”Sim, mas o que mais me preocupava era como conseguir comprar medicamentos. O estoque trazido da Europa estava diminuindo. Então eu aproveitei de uma moda da gigantesca cidade de São Paulo. Da mesma forma como faziam os mendigos naquela época, eu arrumei um saco nas costas e fui a uma certa rua onde clinicavam muitos médicos. Havia prédios inteiros ocupados por eles. Eu batia em cada porta, contando sempre a minha história. Os senhores de avental branco abriam suas gavetas, onde tinham suas amostras grátis, recebidas dos laboratórios e fábricas. A dosagem estava escrita nas bulas e folhetos, permitindo que eu os usasse adequadamente.
Estes dias em São Paulo, normalmente, me davam uma boa colheita. Somente dois médicos fecharam suas portas no meu nariz. Eu fiquei pensando - por quê? - Medo de concorrência não podia ser. Mas eu não liguei e tentei minha sorte em outro consultório. Assim, eu podia continuar a atuar sem fazer muitas despesas que eu, também, não poderia arcar.
Logicamente nem tudo podia ser resolvido desta maneira. Por sorte, crescia o número dos meus amigos e donatários na Suíça. Mesmo assim, a minha conta não recebia centenas ou milhares de francos suíços. Mas mesmo pequenas doações podem fazer milagres, quando a gente faz economia e só compra o extremamente necessário. Fazia malabbarismos para conseguir fazer isto. E , felizmente, sempre dava resultado. Muitas vezes, era obrigada a dividir o último comprimido em pedacinhos tão pequenos, mas que ainda fizessem efeito.
Na minha pátria, eu também estava acostumada a viver simplesmente e sem luxo. Na realidade, eu não renunciei a uma vida segura e sem problemas. Por outro lado, me impressionava a alegria, o relaxamento e a atitude positiva dos brasileiros. Eles combinavam melhor com o meu caracter sem reserva do que com os reservados e comedidos germânicos. Nós latinos mostramos mais alegria de viver.”
”Quando eu recebia flores dos pacientes, eu normalmente dava um sorriso manhoso e melancólico. Eu sabia muito bem de onde elas vinham: do lado da minha casinha de barro, onde eu cultivava um jardinzinho. Os doentes arrancavam as flores, enquanto eu visitava pacientes.
Em 1959, uma emissora de televisão me convidou para relatar sobre o meu trabalho. Recebi algum dinheiro, objetos e medicamentos. Dentre os objetos, também, havia uma velha poltrona, que ainda hoje gosto de usar, principalmente, como cama, quando meu hospital está superlotado. Eu costumo usar muito este móvel querido durante as minhas estadias no Brasil.”
Graziella perguntou: ”Rachel, você nos conta histórias realmente arrepiantes. Existem tantas doenças no Mato Grosso ou os brasileiros são tão suscetíveis ?”
Diversas doenças, muito frequentes, são ocasionadas pela desnutrição. Nesta região, os alimentos estragam rapidamente. Se alguém guarda macarrão ou farinha de trigo abertos, em três dias ficam cheios de gorgulhos, por causa do úmido calor tropical. Os ovos das moscas chocam rapidinho.
Se, por acaso, as pessoas se coçam, as moscas põem seus ovos nos arranhões. Deles saem vermes, deixando a pele em estado lastimável. Os indígenas primitivos são ignorantes neste aspecto e não sabem se proteger.

Eles misturam a carne do porco do mato ou a de boi com farinha de mandioca e a fritam de leve, mesmo sabendo que os açougueiros dependuram, ao ar livre, as carnes dos animais abatidos, onde elas são assediadas por milhões de moscas. Parece milagre que não haja mais gente morrendo de infecções. Já na idade infantil existe uma seleção rígida. Quem continua vivo, fica de uma certa forma imune. Seu corpo tem anticorpos suficientes contra a infestação.
Muitas crianças são acometidas do tétano e os pais procuram o motivo em outro lugar. Eles dizem que foi o mau olhado dos vizinhos invejosos que as enfeitiçou.
Quase ninguém planta ou come legumes nesta terra que é um paraíso. Só tem um porém: tem que haver chuva suficiente. Mas todo ano vem uma horrível seca para os homens e animais. A umidade do ar não é suficiente para as necessidades das plantas.
Com uma irrigação razoável poderia se salvar muita coisa. Desta forma, conseguiram, nos últimos anos, fazer um verdadeiro paraíso na região de Petrolina, às margens do Rio São Francisco. No Mato Grosso, por exemplo, nascem abóboras maravilhosas, que os índios dão aos porcos. Não só a desnutrição, como também a falta de vitaminas fazem as pessoas ficarem anêmicas e doentes. Elas não se preocupam com a qualidade da comida. Não conhecem o valor nutritivo dos alimentos. Eu fiquei conhecendo o mamão, uma fruta parecida com o melão que nasce em árvores. Além disto, eu preparava duas folhagens como espinafre. Quando eu tentava convencer as pessoas a comerem, elas respondiam que não eram animais e não comiam capim.
Na região do Amazonas, os trabalhadores da indústria pesada consomem, a vida toda, apenas arroz, feijão e carne. Com trabalho de anos eu pelo menos consegui ter algum sucesso.”
A Rita completou: ”Eu também ouvi falar de brasileiras na Suíça que, no começo, tinham dificuldades com a nossa comida. Alface e espinafre, provavelmente, não deviam fazer parte do menu brasileiro.”

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