20 de out. de 2009

Livro: O ANJO DE MATO GROSSO - Hans Haller


4. A Criação da Minha Própria Obra de Assistência – Parte II

Uma viagem longa podia durar até três semanas. Como a maioria dos pacientes não conhecia o calendário, eu explicava a eles, que até o amadurecimento dos mamões, eu estaria de volta.

Na bagagem, eu levava a minha maleta de parteira, alguns instrumentos cirúrgicos, boticão, medicamentos, soro contra mordida de cobra, água filtrada, e também comprimidos de vitamina C, para tornar menos perigosa a água parada. Além disso, eu levava leite em pó, Nescafé, chá preto, carne enlatada, arroz, feijão e roupas suficientes.
Nos estados do norte da região Amazônica, a maioria do povo era ainda muito atrasada. Faltavam estradas e mesmo os aviões pequenos não podiam aterrizar nesta região. Muitas parturientes primárias morriam quando havia dificuldades no parto, pois, não existia ninguém que tivesse conhecimentos para ajudá-las. Os parentes resignados diziam: Deus deu mas Deus levou. Frequentemente, não havia médico em um diâmetro de 1000 – 1500 km. Mas eu não só dei ajuda, como desde o princípio eu ensinei o que fazer às mães interessadas. Minha intenção era que elas pudessem ajudar em partos, de uma maneira profissional e higiênica, quando eu não pudesse estar por perto. Em visitas posteriores, eu dei a essas mu-lheres o material estéril necessário. Elas me relataram, depois, alegres e orgulhosas, sobre os partos bem sucedidos.

O que encontrei nas casinhas de sapé dos povoados do imenso sertão superou os meus temores: famílias inteiras sofriam de lepra, malária ou doenças hepáticas. Muita gente estava tão bichada e completamente enfraquecida. Havia muita anemia e desnutrição também. Eu encontrava, quase sempre, muitas pessoas com a mesma doença, morando numa choupana. Até mesmo os mulatos, que costumam ter uma incrível resistência às doenças, ficavam desamparados quando começavam os surtos de doenças e enfermidades .

Eu encontrei uma mulher de quarenta anos de idade deitada em uma cama imunda. Ela tinha aceito o destino de não conseguir dar sequer um passo a 20 primaveras. Ela não havia recebido nenhum tratamento e suas pernas estavam doloridas, não podendo nunca mais usá-las.

Eu examinei a mulher: ela estava desnutrida, tinha uma infecção sifilítica, anemia e sintomas de reumatismo. Apliquei uma injecção contra a infecção, dei um fortificante, vitaminas e cálcio. Além disso, fiz fisioterapia com ela. Depois do meu trabalho nas cabanas vizinhas, eu sempre voltava lá. Um certo dia, eu disse que iríamos passear um pouco.

Por um instante a paciente me olhou incrédula. Depois permitiu que eu a pusesse de pé, como uma criança. Com a minha ajuda, ela fez um passo incerto, depois o segundo, o terceiro e...

Quando eu visitava essa aldeia, em viagens posteriores, a curada vinha ao meu encontro sorrindo e me cumprimentava, em meio a sua grande família. Ela andava sem bengala e era muito admirada.

Em outro lugar, eu deparei com uma jovem gestante. Ela estava deitada no chão de terra da cabana, depois de dez dias que suas dores de parto tinham terminado. Ela sofria intensamente. Para examiná-la eu pedi que a pusessem sobre uma pele de vaca, que era o único luxo em sua casa. Eu constatei que a criança estava quase asfixiada e envenenada e eu só percebia leves sinaizinhos de vida. Imediatamente, eu comecei a fazer o parto com o forceps. Uma velhinha abanava com uma folha de palmeira. Uma outra fervia água parada. A criança sobreviveu e a mãe também.

Encontrei, também, um rapaz com uma fratura de perna infeccionada. Ele tinha febre alta e, até aquele momento, ninguém havia ajudado. Dei comprimidos contra a dor e uma vacina contra tétano. Eu combati a infecção localizada em um hematoma, endireitei a perna e engessei. Por fim, passei recomendações aos parentes e deixei remédios.

Normalmente, as pessoas seguiam exatamente as minhas recomendações. Isso por causa das dores passadas e a esperança que um milagre acontecesse e o paciente sarasse. Elas estavam acostumados com os curandeiros índios. Imaginavam que somente coisas mágicas poderiam curar. Não acreditavam em uma maneira natural de cura. Mesmo quando estes feiticeiros davam um extrato de ervas curantes, o chamavam de remédio mágico. Se os índios descobrissem a receita simples, os curandeiros perderiam seu poder e ganha pão. Eles davam esses remédios não só para doenças simples, como também para todas as enfermidades, mesmo as mortais.“

Maria interrompeu: „Você entrou em conflito com esses charlatões? Enfim, os seus sucessos devem ter dado cabo da reputação deles.“

A enfermeira sorriu: „ Boa pergunta! Por estranho que pareça, isto não aconteceu. Provavelmente, porque eu me ocupava mais dos casos graves. O meu tempo não era suficiente para tratar dos casos mais simples, nos quais eu aplicava uma injecção, deixava vitaminas, cálcio, comprimidos contra febre ou outros medicamentos com as pessoas. Além disso, a concorrência nativa se afastava dos casos desenganados. Assim, eu nem chegava a vê-los.

Mais tarde, eu ouvia dizer que, muitas vezes, os curandeiros diziam ser obra deles, curas feitas por mim. Mas eu não ligava para isto. Eu fazia minhas obrigações, sem muitas histórias. O principal era que as pessoas fossem ajudadas.

Por hoje chega! Amanhã eu contarei a vocês sobre a primeira visita da minha irmã Rebecca“.

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