13 de out. de 2009

Livro: O ANJO DE MATO GROSSO (Hans Haller)


4. A Criação da Minha Própria Obra de Assistência – Parte II

„Eu não pensava que poderia fazer mais do que o possível naquela situação. Eu fiquei muito feliz, quando eu encontrei um homem, aparentemente desconhecido, sorrindo para mim. De repente, ele perguntou se não me lembrava dele e que ele havia me procurado a cinco verões passados. Então, eu lembrei-me de um rosto todo comido pela doença. Naquele momento, aquele rosto sorria para mim. O homem estava bem e continuava a viver.

Quem acha que o meu trabalho é incrível, porque uma só pessoa seria engolida pela multidão nesta região imensa, pode continuar pensando desta forma. Eu sei que não é bem assim!“

A Anna comentou: „Para nós parece incrível, porque a gente nunca esteve lá e não pode imaginar como era realmente a situação. Eu te admiro e acho que você tem uma verdadeira obsessão pelo que faz“.

„Obrigada. – Sempre que possível, os doentes e feridos andavam até o ambulatório para serem tratados. Para isto, aguentavam caminhadas que duravam até semanas. Parecia que só o atravessar do patamar da minha porta já tinha um poder mágico. Enfim! Eles iriam conseguir ajuda e não precisavam ter medo de morrer no caminho. Só esta sensação de felicidade já provocava um milagre físico.

Havia, também, gente que não podia andar. Para algumas, seria até perigoso se fossem transportadas em redes. Além disso, já havia se espalhado a notícia de que a enfermeira branca podia ser chamada nas cabanas dos índios. Isso acontecia, por exemplo, em casos de acidentes graves, partos ou quando alguém, por fraqueza extrema, estava para morrer.

Na maioria das vezes, os pedintes de ajuda batiam de noite na minha porta. É que eles partiam de casa ao anoitecer. Os diálogos eram sempre parecidos: eu abria a porta e perguntava o que havia acontecido. Eles respondiam que era muito urgente. Quando eu perguntava onde era a sua cabana, a resposta era: logo ali e mostravam para a escuridão. No começo, eu era muito ingênua e pensava que logo ali seria uns dez ou quinze minutos de caminhada. Eu depois tive que aprender que podia ser uma distância de 40 até 60 quilômetros. Além disso, nesta região do sertão não havia como me orientar no caminho de volta.

Os moradores da região eram na maioria mestiços – chamados caboclos – e índigenas. Eles lutavam a vida toda contra as terríveis doenças tropicais e morriam jovens demais. Com a desarborização das florestas tropicais e as queimadas, os pobres perderam tudo o que possuíam. Eu tinha muito que consolar e tratar. Às vezes, eu não sabia onde me ficava a cabeça. Apesar de perder tudo, até mesmo a saúde, e possuir somente a roupa do corpo, as pessoas não perdiam o amor ao próximo. Eu, muitas vezes, pensava que nós da rica Suíça poderíamos aprender muito com elas...“

Maria concordou: „ É mesmo. Aqui só se pensa em ter mais. Os fracos e nós velhinhos é que somos os prejudicados. Quem é que ainda tem tempo para nós ou nos dá um pouco de amor e consolo? Nós todos já sofremos muito na vida e perdemos entes queridos. Com eles se foi algo da nossa vida! „

As outras idosas murmuraram concordando e fizeram alguns comentários. Rachel aproveitou esta pausa e comeu um pedaço de bolo com café.

Por fim, ela retomou o fio da meada: „ Eu me tornei, por necessidade, uma conhecedora da selva e escoteira. Entretanto, eu não tinha o preparo físico para acompanhar a marcha dos índios. Nós europeus, sociedade de abundância, somos moles demais neste ponto. Fazendo caminhadas longas e exaustivas, eu fiquei com artrose. Não tive outra alternativa a não ser passar por uma cirurgia em São Paulo. Os médicos do, já mencionado, Hospital Samaritano me enxertaram um pedaço de osso da bacia no meu pé. Eles não me cobraram nada em consideração ao meu trabalho. Depois disso, eu me senti muito melhor.

Depois dessa experiência eu aprendi a montar. É lógico que não foi em uma escola de equitação. Eu montei em um cavalo manso e comecei a pular. Tentei também me segurar na sela nos trotes e galopes. Um amigo me deu algumas dicas e logo não tive tantas assaduras e dores na coluna. Assim, eu me tornei uma cavaleira, que chegava, nos seus clientes do sertão, com os cabelos esvoaçantes“.

A Rita perguntou: „Você nunca caiu do cavalo?“

„Não. Pelo menos, nunca gravemente. – O Mato Grosso é uma região enorme. O mapa diz que são 1'262'000 quilômetros quadrados. Imaginem, mais de um milhão, comparados aos 40'000 da Suíça. Mesmo me afastando 100 quilômetros de Rosário d'Oeste, eu não tinha ido a lugar algum. Eu ouvi dizer que depois do grande sertão – 800 quilômetros ao norte – começava a selva, onde moravam os índios.

Pelo meu consultório passaram índios de uma tribo ou outra. Eram rapazes aparentemente fortes, mas que não tinham forças para resistir às doenças da civilização.

Quando eu consultava o meu mapa, antes de viajar para regiões longíquas, eu pensava naquela gota d’água na pedra quente. Até a fronteira com a selva eram 800 quilômetros...“

Rosa interrompeu: „Essa região era pouco povoada ?“

„Era. Mesmo assim, eu me pergunto quanta miséria humana ela pode abranger. Eu pensava nas grandes plantações de borracha, cana-de-açúcar e o imenso sertão. Eu ouvi falar, também, dos miseráveis retirantes das minas de diamantes no norte e alto-Paraguai. Para mim, eram simplesmente nomes. Mas quando eu olhava nos semblantes dos pedintes de ajuda, eu ficava assustada com estas regiões nunca vistas por mim. E isso era só ao norte. No sul de Rosário-Oeste, se extendiam os pantanais, nos quais também vivia gente!“

Maria comentou: „Quando eu ouço você falar, eu também fico pensando na gota d’água na pedra quente.“

„Eu cavalgava entre o ambulatório e os pacientes, em um vai e vem rapidinho, sempre que eu conseguia arrumar algum tempo, pois, eu não podia deixar de cuidar dos pacientes enfermos, esperando nas camas e redes na minha cabana. Eu sonhava em fazer viagens mais longas, com medicamentos e instrumentos na garupa do meu cavalo. Este desejo tomava cada vez mais conta dos meus pensamentos e planos.

Eu me via como samaritana a caminho. Eu gostaria de conhecer esta terra enorme e ajudar aos índios em suas aldeias afastadas. Eu desejava visitar meus próximos na bacia Amazônica. Esta região, que é 14 vezes maior do que a Alemanha, é constituída dos estados do Pará, Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima e Amapá.

Até agora, eu me restringia a um diâmetro de 100 quilômetros ao redor de Rosário d'Oeste. Minha meta, porém, era de ir ao maior número possível de lugares e ter contato com muitas pessoas. Elas teriam que ficar sabendo onde conseguir ajuda. Porém, a minha central continuava sendo a missão.

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