


7. Várzea Grande – Parte I
Mais uma vez Rachel Steingruber conta para suas amigas do Lar dos Velhinhos de Brissago sobre a sua vida aventureira.
„Eu me acostumei rapidamente com a vida na minha casa nova em Várzea Grande. Enfim, eu estava morando e trabalhando na minha própria casa, que eu mesma tinha ajudado a construir e instalar. O tamanho da casa era 10 x 15 metros. Mesmo assim, algumas vezes, era pequena demais para atender aos pacientes. Eu não só atendia na sala, mas também na varanda e, às vezes, até ao ar livre. Isto aconteceu uma vez, quando veio um caminhão cheio de doentes de malária da Bacia Amazônica.
Apesar de estar agora em um subúrbio de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, eu não encontrava menos miséria do que em Rosário-Oeste, interior do estado. O horizonte está mudando muito com as construções de novos prédios, porém, esta evolução e prosperidade não chegavam até nós. Eu nunca podia me
queixar de ter pouco trabalho. O que melhorou foi a distância para se conseguir documentos ou ajuda. Além disso, os funcionários também me ajudavam, não me cobrando os seus serviços. As maratonas longas e exaustivas diminuíram. O aeroporto também ficava próximo, o que facilitava a viagem para São Paulo ou emergências na Região Amazônica.“
Anna disse: „Eu posso imaginar que esta economia de tempo valia ouro para você. Mas para fazer tudo o que você precisava fazer, o dia deveria ter mais do que 24 horas, né?“
„É isso mesmo. Por exemplo: eu tinha acabado de almoçar, numa lanchonete em Cuiabá, quando eu tive que ir ao banheiro. No caminho para lá, eu vi, num cantinho escuro, uma menina de 14 anos sentada no chão de terra. De curiosidade eu me aproximei. Quando os meus olhos se acostumaram com a pouca luz que havia, eu percebi o que ela tinha: os seus braços e pernas não haviam se desenvolvido direito durante a gravidez da mãe. As mãos pareciam fechadas e não tinham dedos. Ela também não tinha dedões nos pés. Provavelmente, ela nasceu prematura. Enquanto eu a examinava, ouvi a voz da mãe ao fundo.
Nós somos de Minas Gerais e viemos para cá há alguns meses atrás. Eu tinha a esperança que alguém ajudasse a Fátima. Mas até agora foi em vão. Minha filha não pode ficar em pé e nem andar. Ela sempre fica sentada ou deitada.
Eu tomei uma resolução rápida. Depois de ir ao sanitário, eu fui chamar dois homens fortes. Pedi a eles que levassem a menina até o meu Jeep. A mãe sentou-se ao meu lado, no banco da frente e fomos para o ambulatório.
Chegando, dei um banho e troquei a roupa da menina. Eu sabia que neste caso eu não poderia fazer mais nada. Eu fiz a minha mala e informei a mãe, uma pessoa pequena, magra e pobremente vestida, que eu iria levar a Fátima, comigo, para São Paulo. Na Clínica da Universidade, eles, às vezes, ajudavam pacientes de graça. Mas era necessário ter muita paciência. Eu disse a ela que esperasse por nós na casa dela. Logo que tivéssemos alguma novidade, eu iria informá-la.“
Rita interrompeu: „Mas a viagem não era perigosa? Eu imagino que as estradas não deviam ser tão boas e seguras como aqui. Porque você não foi de avião?“
„Respondendo à primeira pergunta: os vôos domésticos são muito caros e eu teria que pagar duas passagens. Além disso, eu não tinha certeza de conseguir lugares neste curto espaço de tempo. Com relação ao perigo, você tem razão. No caminho para São Paulo, fomos surpreendidas por um temporal. A noite se tornou mais escura ainda. Eu estava dirigindo numa velocidade condizente e de repente o trânsito parou e nós ficamos em um engarrafamento. Os carros já estavam parados havia alguns minutos. Desci do Jeep e fui olhar o motivo. Lá estava um velhinho com uma lamparina a petróleo mostrando o que tinha restado de uma ponte desmoronada. Um córrego manso, que corria por baixo, tinha se transformado num rio torrencial. Ele tinha minado os pilares e arrancado uma boa parte da estrutura. Mais tarde, fiquei sabendo que sete veículos tinham caído no precipício, sem nenhuma advertência.
O homem tinha acordado com o ruído das águas e outros rumores desconhecidos. Demorou até que ele acendesse a sua lamparina. Quando ele chegou na ponte, deparou com o buraco enorme. Ele voltou para a margem e parou o trânsito. Com sua presença de espírito ele salvou muitas vidas.
Entretanto, ele não sabia o que estava acontecendo do outro lado do rio. Isto é, se havia alguém fazendo o mesmo que ele. Ele me descreveu o caminho para a outra ponte. Assim, como eu, muitos outros carros manobraram procurando a próxima passagem sobre o rio, que ficava a alguns quilômetros rio abaixo. Por sorte, ela ainda estava inteira. Eu acordei as pessoas do posto policial mais próximo, e pedi que fossem ao local do acidente.
Durante o resto do caminho, eu agradeci a Deus por me ter protegido.“
Graziella disse: „Imagine o que teria acontecido, se você tivesse dirigido mais rápido e chegado antes ao rio ...“
A Rosa completou: „O salvador de muitas vidas humanas devia ser bem pobre e nem saber ler ou escrever. – Mas como é que continuou a história da Fátima?“
„Depois deste incidente, nós chegamos sem mais problemas na metrópole do sul. Porém, eu não era a única a saber da caridade dos médicos da Clínica da Universidade. A fila fazia quase a volta no quarteirão. As pessoas ficavam, durante dias e noites, até o porteiro as chamar e dizer que havia uma vaga. Eu sabia disso e tomei minhas precauções. Eu havia levado água, alguma comida e também cobertores para domir.“
Anna interrompeu: „Você também teve que ficar na fila e esperar tanto? As pessoas não te trataram melhor?“
„Infelizmente não. Eu até perdi a conta dos dias e noites passados na fila.
Quando finalmente chegou a vez da Fátima, os médicos a trataram com muita consideração. Eu pude assistir a operação que durou horas. Num trabalho minucioso, os médicos soltaram os dedos e dedões dando-lhes mobilidade.
A paciente teve que permanecer no hospital e eu voltei para Cuiabá, para tratar dos meus enfermos. Depois de dois meses, recebi a notícia de que eu poderia ir buscar a menina. Fiquei felicíssima quando eu vi o que os médicos e fisioterapeutas tinham conseguido: a Fátima veio andando ao meu encontro, um pouco insegura ainda. Ela também me mostrou que já conseguia dar um ponto em um pano com uma agulha. Este exercício ajudava-a a melhor sentir seus dedos.
Esta menina, feliz, ainda ficou um tempo comigo, me ajudando. Eu a ensinei a bordar, e com isto ela, mais tarde, ganhava o sustento de sua família. Depois de longos 14 anos, finalmente, ela se sentia como gente. Antes, era uma aleijadinha vegetando por aí.
Mais uma vez Rachel Steingruber conta para suas amigas do Lar dos Velhinhos de Brissago sobre a sua vida aventureira.
„Eu me acostumei rapidamente com a vida na minha casa nova em Várzea Grande. Enfim, eu estava morando e trabalhando na minha própria casa, que eu mesma tinha ajudado a construir e instalar. O tamanho da casa era 10 x 15 metros. Mesmo assim, algumas vezes, era pequena demais para atender aos pacientes. Eu não só atendia na sala, mas também na varanda e, às vezes, até ao ar livre. Isto aconteceu uma vez, quando veio um caminhão cheio de doentes de malária da Bacia Amazônica.
Apesar de estar agora em um subúrbio de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, eu não encontrava menos miséria do que em Rosário-Oeste, interior do estado. O horizonte está mudando muito com as construções de novos prédios, porém, esta evolução e prosperidade não chegavam até nós. Eu nunca podia me
queixar de ter pouco trabalho. O que melhorou foi a distância para se conseguir documentos ou ajuda. Além disso, os funcionários também me ajudavam, não me cobrando os seus serviços. As maratonas longas e exaustivas diminuíram. O aeroporto também ficava próximo, o que facilitava a viagem para São Paulo ou emergências na Região Amazônica.“
Anna disse: „Eu posso imaginar que esta economia de tempo valia ouro para você. Mas para fazer tudo o que você precisava fazer, o dia deveria ter mais do que 24 horas, né?“
„É isso mesmo. Por exemplo: eu tinha acabado de almoçar, numa lanchonete em Cuiabá, quando eu tive que ir ao banheiro. No caminho para lá, eu vi, num cantinho escuro, uma menina de 14 anos sentada no chão de terra. De curiosidade eu me aproximei. Quando os meus olhos se acostumaram com a pouca luz que havia, eu percebi o que ela tinha: os seus braços e pernas não haviam se desenvolvido direito durante a gravidez da mãe. As mãos pareciam fechadas e não tinham dedos. Ela também não tinha dedões nos pés. Provavelmente, ela nasceu prematura. Enquanto eu a examinava, ouvi a voz da mãe ao fundo.
Nós somos de Minas Gerais e viemos para cá há alguns meses atrás. Eu tinha a esperança que alguém ajudasse a Fátima. Mas até agora foi em vão. Minha filha não pode ficar em pé e nem andar. Ela sempre fica sentada ou deitada.
Eu tomei uma resolução rápida. Depois de ir ao sanitário, eu fui chamar dois homens fortes. Pedi a eles que levassem a menina até o meu Jeep. A mãe sentou-se ao meu lado, no banco da frente e fomos para o ambulatório.
Chegando, dei um banho e troquei a roupa da menina. Eu sabia que neste caso eu não poderia fazer mais nada. Eu fiz a minha mala e informei a mãe, uma pessoa pequena, magra e pobremente vestida, que eu iria levar a Fátima, comigo, para São Paulo. Na Clínica da Universidade, eles, às vezes, ajudavam pacientes de graça. Mas era necessário ter muita paciência. Eu disse a ela que esperasse por nós na casa dela. Logo que tivéssemos alguma novidade, eu iria informá-la.“
Rita interrompeu: „Mas a viagem não era perigosa? Eu imagino que as estradas não deviam ser tão boas e seguras como aqui. Porque você não foi de avião?“
„Respondendo à primeira pergunta: os vôos domésticos são muito caros e eu teria que pagar duas passagens. Além disso, eu não tinha certeza de conseguir lugares neste curto espaço de tempo. Com relação ao perigo, você tem razão. No caminho para São Paulo, fomos surpreendidas por um temporal. A noite se tornou mais escura ainda. Eu estava dirigindo numa velocidade condizente e de repente o trânsito parou e nós ficamos em um engarrafamento. Os carros já estavam parados havia alguns minutos. Desci do Jeep e fui olhar o motivo. Lá estava um velhinho com uma lamparina a petróleo mostrando o que tinha restado de uma ponte desmoronada. Um córrego manso, que corria por baixo, tinha se transformado num rio torrencial. Ele tinha minado os pilares e arrancado uma boa parte da estrutura. Mais tarde, fiquei sabendo que sete veículos tinham caído no precipício, sem nenhuma advertência.
O homem tinha acordado com o ruído das águas e outros rumores desconhecidos. Demorou até que ele acendesse a sua lamparina. Quando ele chegou na ponte, deparou com o buraco enorme. Ele voltou para a margem e parou o trânsito. Com sua presença de espírito ele salvou muitas vidas.
Entretanto, ele não sabia o que estava acontecendo do outro lado do rio. Isto é, se havia alguém fazendo o mesmo que ele. Ele me descreveu o caminho para a outra ponte. Assim, como eu, muitos outros carros manobraram procurando a próxima passagem sobre o rio, que ficava a alguns quilômetros rio abaixo. Por sorte, ela ainda estava inteira. Eu acordei as pessoas do posto policial mais próximo, e pedi que fossem ao local do acidente.
Durante o resto do caminho, eu agradeci a Deus por me ter protegido.“
Graziella disse: „Imagine o que teria acontecido, se você tivesse dirigido mais rápido e chegado antes ao rio ...“
A Rosa completou: „O salvador de muitas vidas humanas devia ser bem pobre e nem saber ler ou escrever. – Mas como é que continuou a história da Fátima?“
„Depois deste incidente, nós chegamos sem mais problemas na metrópole do sul. Porém, eu não era a única a saber da caridade dos médicos da Clínica da Universidade. A fila fazia quase a volta no quarteirão. As pessoas ficavam, durante dias e noites, até o porteiro as chamar e dizer que havia uma vaga. Eu sabia disso e tomei minhas precauções. Eu havia levado água, alguma comida e também cobertores para domir.“
Anna interrompeu: „Você também teve que ficar na fila e esperar tanto? As pessoas não te trataram melhor?“
„Infelizmente não. Eu até perdi a conta dos dias e noites passados na fila.
Quando finalmente chegou a vez da Fátima, os médicos a trataram com muita consideração. Eu pude assistir a operação que durou horas. Num trabalho minucioso, os médicos soltaram os dedos e dedões dando-lhes mobilidade.
A paciente teve que permanecer no hospital e eu voltei para Cuiabá, para tratar dos meus enfermos. Depois de dois meses, recebi a notícia de que eu poderia ir buscar a menina. Fiquei felicíssima quando eu vi o que os médicos e fisioterapeutas tinham conseguido: a Fátima veio andando ao meu encontro, um pouco insegura ainda. Ela também me mostrou que já conseguia dar um ponto em um pano com uma agulha. Este exercício ajudava-a a melhor sentir seus dedos.
Esta menina, feliz, ainda ficou um tempo comigo, me ajudando. Eu a ensinei a bordar, e com isto ela, mais tarde, ganhava o sustento de sua família. Depois de longos 14 anos, finalmente, ela se sentia como gente. Antes, era uma aleijadinha vegetando por aí.
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