


7. Várzea Grande – Parte II
Eu tive que viajar diversas vezes para São Paulo. O dinheiro para isto eu recebia da Suíça. Se os meus amigos soubessem quanta coisa boa foi feita com o dinheiro que eles doaram...“
Anna perguntou: „Quem é que cuidava dos seus interesses na Suíça e administrava o dinheiro doado?“
„Infelizmente isto estava mal organizado, como eu já mencionei antes. Tenho que confessar ter negligenciado este ponto. Eu estava tão absorvida pelo meu trabalho, que eu achava pouco ou nenhum tempo para as relações públicas.“
Anna continuou: „Certo. Nós suíços queremos ser informados. A nós é de interesse saber dos sucessos ou malogros. Nós, só doamos quando a gente sabe o que vai ser feito com o dinheiro. Eu conheço diversas pequenas organizações, assim como a sua, que mandam, 1 ou 2 vezes ao ano, um folheto informativo aos seus doadores sobre os seus planos e ações. Uma delas informa, toda vez, sobre uma das crianças que estão sob sua guarda. Desta forma, os nossos amigos aqui se identificam melhor com a obra e o trabalho destas entidades.“
„Você tem razão. Eu deveria ter dado mais atenção a isto. No fim dos anos 60, já se tomavam conhecimento das minhas atividades. A revista suíça Schweizerische Beobachter trouxe uma reportagem de várias páginas sobre a minha obra, tendo uma boa repercussão. Também outras revistas como o Readers Digest e mesmo a grande Schweizer Illustrierte relataram sobre meus feitos no Mato Grosso. Com isso as doações aumentaram consideravelmente. Pois é, mas faltava a coordenação.“
„Eu posso imaginar. Você é uma pessoa prática por muitos lados. O que te faltava era uma espécie de manager, que vendesse a sua imagem e a sua obra. Por exemplo, quem pagava os seus vôos dentro do Brasil ou para a Suíça ?“
„Eu, naturalmente. Entretanto, no ano passado, um amigo da Swissair mostrou à diretoria minha obra e conseguiu um desconto. Na verdade, eu ganhei um vôo gratuito, que eu pude usar na minha próxima viagem. Além disso, a companhia iria usar, no futuro, a tarifa mais baixa possível para mim.“
„Você está vendo. É assim que você deveria ter feito a 20 anos atrás! Nas outras coisas deve ser parecido também. Como percebemos, você é muito tímida e modesta neste ponto. Você deveria ter sido um pouco mais atrevida.“
„É verdade. Mas quem é que consegue mudar o seu jeito? ...
„Desculpe a minha intromissão, Rachel. Continue por favor!“
„Bem longe da civilização, um pai queria extrair um dente molar do filho, com um facão. Ele feriu o menino com o instrumento pouco limpo e a criança adoeceu. Mais tarde ele o trouxe até mim. A minha diagnose era câncer e por isto viajei com o menino para São Paulo. A meu pedido, os médicos trataram dele.“
Rosa comentou: „Para nós suíças, isto parece realmente incrível!“
„Muitas famílias lavam suas roupas em águas correntes, por não ter a possibilidade de as lavar em suas casas. Muitas mulheres faziam isto no rio perto de Várzea Grande. Elas colocavam as roupas sobre pedras para secar. Uma das lavadeiras teve um susto muito grande, quando uma das pedras se mexeu. Não é que, o que parecia uma pedra, era uma cobra enorme e cinzenta (cor de pedra) que estava toda enrolada entre as outras pedras! As colegas da moça a trouxeram para mim e eu ajudei a pobrezinha.“
Graziella perguntou: „Você também teve encontros com cobras grandes?“
„Lógico. Quem viveu como eu tinha encontros com bichos perigosos. Mas eu não tinha medo. Uma vez, de noite, eu ouvi uma batida na minha porta. Eu pensei que era um paciente e abri. Lá estava uma gibóia, que entrou na minha casa rapidinho. Naquela época, havia uma seca muito grande. Eu achei que ela estava com muita sede e por isto, eu enchi um prato com leite, que ela tomou até a última gota, e depois saiu. Quando eu levantei de manhã e sai em frente da casa, eu a vi enrolada num galho de árvore próximo.“
„Credo, isso não seria nada para mim!!“
„Eu salvei um homem da morte. Sua família era tão pobre que nem tinham dinheiro para um caixão. Eles levaram o corpo dele, numa rede, até o cemitério. Eu os encontrei no caminho e perguntei qual tinha sido a causa da morte.
O irmão dele respondeu que ele ainda estava vivo. Eles o estavam levando, já agora, porque, como defunto, ele seria muito mais pesado. Ele não tinha comido nada havia dias, esperando pela morte.
Eu pedi às pessoas que me acompanhassem, pois, eu queria ajudá-lo.
Eu examinei o moribundo no meu ambulatório e vi que os rins dele não estavam mais funcionando direito. Com o consentimento dos parentes eu operei o homem. O rim direito já estava quase apodrecido e eu o extrai. O esquerdo estava melhor. Como não havia possibilidade nenhuma de um transplante, eu tive que tentar com uma dieta. E deu certo! O homem de 40 anos tinha superado a morte.“
A Rita perguntou: Você conseguiu enganar a morte muitas vezes?“
„Muitas. Eu, em várias ocasiões, consegui evitar que pessoas fossem enterradas vivas. A gente simples não sabia o que era estado de coma ou letargia. Nas estradas sempre aconteciam acidentes graves . As beiras de estradas eram, e ainda são hoje em dia, pouco seguras e sinalizadas. Quando as vítimas não se moviam, eram tidas como mortas. Aquelas que chegavam até mim, ou que eu encontrava pelos caminhos, eu reanimava“.
Graziella falou: „Estes deviam ser só a ponta do iceberg. Imaginem só quantos homens e mulheres foram enterrados vivos...“
„Em alguns dias vinham só poucos pacientes. Outras vezes podiam vir 50, 60 ou até 80. Quando alguém necessitava de um tratamento mais prolongado, era posto em uma das 8 camas ou 20 redes. Nelas, eles ficavam, gratuitamente, até sarar, mesmo se isto durasse meses.
Mesmo que eu não tenha cara de muito robusta, posso afirmar que meu trabalho era pesado. Eu não parava, mesmo quando a temperatura atigia 50 graus e a umidade era quase insuportável. Minha vida era espartana. Eu não ligava que o meu teto não me protegesse das saúvas, aranhas venenosas ou cobras. Eu não sabia o que era ter medo.
Os amigos me admiravam quando me viam com o meu calhambeque, viajando por estradas esburacadas e perigosas, ou quando eu marchava através da floresta lamacenta da chuva.
Eu, cada vez mais, necessitava de medicamentos, roupas e alimentos para os meus pacientes. Com o passar dos anos, eu tinha vendido praticamente tudo que eu possuia, o que, na verdade, nunca foi muito. Como eu já havia mencionado antes, eu comecei a pedir ajuda aos meus amigos e conhecidos na Suíça, com sucesso. Eu mandava cartas circulares e fazia palestras, durante as minhas raras visitas à pátria. Isto me dava mais algumas colaborações. Mas como você mesma disse, Anna, a gente deveria ter feito mais neste sentido.
De todo modo, as doações começaram a ter continuidade. Por exemplo, na minha cidade natal, Wald ZH, virou tradição que as coletas da festa de natal da escola dominical fossem doadas à minha instituição.
Anna perguntou: „Você recebeu, também, alguma condecoração da sua cidade natal, ou de onde você morava antes?“
„Há alguns meses atrás, a cidade Wald ZH me ofereceu o direito de cidadania e doou uma boa quantia. Eu fiquei muito feliz com a festa. Há mais tempo, Várzea Grande deu-me, também, o direito de cidadã honorária. A cidade de Schönengrund vai, a partir de agora, remeter para a minha fundação uma quantia anual. De Brissago, eu não sei nada ainda.“
Graziella falou: „Eu conheço o prefeito e vou lhe contar a respeito do seu trabalho. Eu acho que a gente deve mostrar nossa estima às pessoas enquanto elas estão vivas e não postumamente.“
Rachel sorriu modestamente.
„Para auxílio em casos de muita miséria, a Cruz Vermelha Internacional nos enviou duas toneladas de leite em pó. A seção de crianças da „Terre des Hommes“ nos colocou uma quantia à disposição. Com ela será possível financiar os estudos de jovens promissores.
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