

7. Várzea Grande – Parte III
No ano de 1973, o governador do estado do Mato Grosso decretou que a minha obra fosse chamada Obra Beneficente Nova Suíça e que era considerada como de interesse público. Apesar desta consideração oficial eu só pude contar com doações particulares . Mas eu não queria mesmo me prender ao governo ou à igreja,
apesar dos meus meios financeiros se esgotarem frequentemente. Muitas vezes eu nem podia pagar a gasolina para o carro. Eu tratava com a mesma abnegação tanto de brancos como de negros, índios e mestiços.“
Anna se intrometeu: „Desculpe a interrupção. Seus motivos são nobres, mas eu acho você um tanto ingênua. O que você fez era obrigação do governo, e ele que tem verba para ser usada na educação e saúde pública. Uma parte desta verba deveria ter sido dirigida para você.“
„Vocês não conhecem a mentalidade brasileira. Somente um pedacinho das verbas públicas chegam até onde são destinadas. Muita coisa vai para o bolso de alguém ou desaparece nas administrações descomunais. Nestes orgãos se vê um número imenso de funcionários, mas só poucos trabalham de verdade. Muitos ficam sentados nas suas escrivaninhas lendo jornal, conversando ou matando o tempo. Outros nem aparecem na repartição pública, mesmo assim recebem o salário.“
„Eu acredito nisto, Rachel. Mas as entidades não se aproveitaram da sua benevolência e solicitude?“
„Assim, como você está dizendo, eu até te dou razão. Mas eu nunca olhei a questão por este lado. Havia frequentes epidemias na região da Bacia Amazônica. As autoridades oficiais me solicitavam que eu fosse ajudar. Eles me levavam, de avião, até aos lugares onde eu vacinava e tratava das pessoas. Além da minha satisfação pessoal em poder salvar e ajudar os próximos, eu não ganhava nada. Aos médicos e enfermeiras brasileiras, eles teriam que pagar. Mas eu nunca me queixei disto“.
„Você é um anjo! Mas também anjos têm que comer e beber para sobreviver aqui na terra. Porque você sempre deu tudo, e nunca pediu nada para você mesma, você agora tem que se virar na Suíça com uma renda mínima de aposentadoria. É pouco para sobreviver e muito para morrer. Enquanto que nós economizamos a vida toda para a velhice, você se sacrificou pelos pobres. Eu não entendo porque a prefeitura e o governo não ajudam em casos como este.“
Anna completou: „Quem sabe até exista um fundo para estes casos e nós nunca ouvimos falar a respeito. E se existe, a Rachel não está usufruindo dele.“
Maria falou dengosa: „Do jeito como eu pude ficar conhecendo Rachel nestas últimas semanas, ela sempre pensa tanto no bem dos outros, que nem se lembrava de si mesma. Você, provavelmente, nunca se informou sobre as prováveis opções no seu caso, né?“
Rachel acenou com a cabeça, sorriu aquele seu sorriso modesto e simpático, e continuou a narrativa: „Como eu não tinha auxiliares naquela época, a não ser quando a Rebecca estava comigo, eu quase nunca podia me descontrair. Nos dias típicos no ambulatório, eu me levantava às 4 da manhã. Normalmente, quando abria minha porta, já encontrava famílias esperando a vez. Em um dos dias, eu ouvi o gemido de uma criança com dor de dente. A pequena necessitava de um tratamento especial e eu a encaminhei a um dentista. Em um bilhetinho, eu escrevi que a fatura fosse endereçada a mim. Como a mãe sofria dos rins, prescrevi-lhe uma dieta, mas como a paciente era analfabeta, não era fácil cumpri-la.
Além de tratar das doenças, eu me preocupava em evitá-las. Eu doava filtros d’água para famílias e mostrava seu uso. Explicava que filtrar a água de beber eliminava os micróbios que trazem certas doenças.
Outra tarefa era cuidar dos acidentados. Certa vez, alguns homens me trouxeram uma vítima de acidente. A mão do lenhador tinha que ser tratada imediatamente. E assim por diante... Ao mesmo tempo eu tinha que tratar e cuidar dos pacientes hospitalizados no pavilhão.
A Rosa perguntou: „Não era um caos a gritaria, as queixas e reclamações?“
„Normalmente não. Esta gente sofre calada. Eles são amáveis e muitas vezes inteligentes. Eu tentava não só medicá-los, mas também ajudá-los a ter uma vida autônoma e objetiva. Assim, eu conheci um garoto de 16 anos, de nome Máximo, que tinha se ferido gravemente com um machado. Durante sua estadia comigo eu o ensinei a ler e escrever. Mais tarde, ele quis ser professor.
O Tinte era um alcoólatra crônico e era tido como pistoleiro. Quando sua mulher morreu ao dar a luz, eu consegui fazer com que ele, paulatinamente, começasse a cuidar dos seus filhos. Ele deixou de beber e me entregou sua arma. Eu a mergulhei em um buraco no pantanal próximo. A partir de então, o Tinte trabalhava como pescador assíduo. Sua família o admirava e amava.
Nas minhas tentativas de educação e formação, eu sempre usava exemplos da natureza. Nas florestas da região, existe um inseto que tem a cabeça parecida com a de uma cobra. Com sua tromba, ele suga a seiva das árvores e a armazena em sua cabeça. Quando vem a seca anual, ele sobrevive. Infelizmente, este ente fascinante está em perigo de extinção, por causa das queimadas dos homens. Eu mencionava este animal para mostrar às pessoas como se prevenir: todos os anos, vinha a época mais fria e a chuva. Os buracos e goteiras nas cabanas deveriam ser consertados em tempo, isto é, antes da chuva chegar. Mas eles adiavam tudo e ficavam doentes, inevitavelmente.
É lógico que eu também cometia erros ou tinha que me contentar com sucessos parciais. Eu tratei de uma certa família com muita atenção. Ela estava praticamente morrendo de fome. A mulher era cega e tinha casado com um homem retardado mental. Os cinco filhos eram também deficientes. Depois de muitas tentativas em vão, eu consegui ensinar a dois dos filhos, a fazer tarefas simples. Com a pesca e a venda de frutas eles ganhavam o sustento da família. Pela primeira vez na vida, essa gente sentiu alegria e alívio. Bom, eu falei o suficiente por hoje. Possivelmente, eu não vou estar aqui por 1 ou 2 semanas.“
Anna perguntou: „Por quê? Nós sentiremos a sua falta.“
„Na próxima quinta-feira, eu tenho a minha primeira consulta com aquela oftalmologista em Lörrach. Eu vou aproveitar e visitar amigos na Suíça alemã.“
No ano de 1973, o governador do estado do Mato Grosso decretou que a minha obra fosse chamada Obra Beneficente Nova Suíça e que era considerada como de interesse público. Apesar desta consideração oficial eu só pude contar com doações particulares . Mas eu não queria mesmo me prender ao governo ou à igreja,
apesar dos meus meios financeiros se esgotarem frequentemente. Muitas vezes eu nem podia pagar a gasolina para o carro. Eu tratava com a mesma abnegação tanto de brancos como de negros, índios e mestiços.“
Anna se intrometeu: „Desculpe a interrupção. Seus motivos são nobres, mas eu acho você um tanto ingênua. O que você fez era obrigação do governo, e ele que tem verba para ser usada na educação e saúde pública. Uma parte desta verba deveria ter sido dirigida para você.“
„Vocês não conhecem a mentalidade brasileira. Somente um pedacinho das verbas públicas chegam até onde são destinadas. Muita coisa vai para o bolso de alguém ou desaparece nas administrações descomunais. Nestes orgãos se vê um número imenso de funcionários, mas só poucos trabalham de verdade. Muitos ficam sentados nas suas escrivaninhas lendo jornal, conversando ou matando o tempo. Outros nem aparecem na repartição pública, mesmo assim recebem o salário.“
„Eu acredito nisto, Rachel. Mas as entidades não se aproveitaram da sua benevolência e solicitude?“
„Assim, como você está dizendo, eu até te dou razão. Mas eu nunca olhei a questão por este lado. Havia frequentes epidemias na região da Bacia Amazônica. As autoridades oficiais me solicitavam que eu fosse ajudar. Eles me levavam, de avião, até aos lugares onde eu vacinava e tratava das pessoas. Além da minha satisfação pessoal em poder salvar e ajudar os próximos, eu não ganhava nada. Aos médicos e enfermeiras brasileiras, eles teriam que pagar. Mas eu nunca me queixei disto“.
„Você é um anjo! Mas também anjos têm que comer e beber para sobreviver aqui na terra. Porque você sempre deu tudo, e nunca pediu nada para você mesma, você agora tem que se virar na Suíça com uma renda mínima de aposentadoria. É pouco para sobreviver e muito para morrer. Enquanto que nós economizamos a vida toda para a velhice, você se sacrificou pelos pobres. Eu não entendo porque a prefeitura e o governo não ajudam em casos como este.“
Anna completou: „Quem sabe até exista um fundo para estes casos e nós nunca ouvimos falar a respeito. E se existe, a Rachel não está usufruindo dele.“
Maria falou dengosa: „Do jeito como eu pude ficar conhecendo Rachel nestas últimas semanas, ela sempre pensa tanto no bem dos outros, que nem se lembrava de si mesma. Você, provavelmente, nunca se informou sobre as prováveis opções no seu caso, né?“
Rachel acenou com a cabeça, sorriu aquele seu sorriso modesto e simpático, e continuou a narrativa: „Como eu não tinha auxiliares naquela época, a não ser quando a Rebecca estava comigo, eu quase nunca podia me descontrair. Nos dias típicos no ambulatório, eu me levantava às 4 da manhã. Normalmente, quando abria minha porta, já encontrava famílias esperando a vez. Em um dos dias, eu ouvi o gemido de uma criança com dor de dente. A pequena necessitava de um tratamento especial e eu a encaminhei a um dentista. Em um bilhetinho, eu escrevi que a fatura fosse endereçada a mim. Como a mãe sofria dos rins, prescrevi-lhe uma dieta, mas como a paciente era analfabeta, não era fácil cumpri-la.
Além de tratar das doenças, eu me preocupava em evitá-las. Eu doava filtros d’água para famílias e mostrava seu uso. Explicava que filtrar a água de beber eliminava os micróbios que trazem certas doenças.
Outra tarefa era cuidar dos acidentados. Certa vez, alguns homens me trouxeram uma vítima de acidente. A mão do lenhador tinha que ser tratada imediatamente. E assim por diante... Ao mesmo tempo eu tinha que tratar e cuidar dos pacientes hospitalizados no pavilhão.
A Rosa perguntou: „Não era um caos a gritaria, as queixas e reclamações?“
„Normalmente não. Esta gente sofre calada. Eles são amáveis e muitas vezes inteligentes. Eu tentava não só medicá-los, mas também ajudá-los a ter uma vida autônoma e objetiva. Assim, eu conheci um garoto de 16 anos, de nome Máximo, que tinha se ferido gravemente com um machado. Durante sua estadia comigo eu o ensinei a ler e escrever. Mais tarde, ele quis ser professor.
O Tinte era um alcoólatra crônico e era tido como pistoleiro. Quando sua mulher morreu ao dar a luz, eu consegui fazer com que ele, paulatinamente, começasse a cuidar dos seus filhos. Ele deixou de beber e me entregou sua arma. Eu a mergulhei em um buraco no pantanal próximo. A partir de então, o Tinte trabalhava como pescador assíduo. Sua família o admirava e amava.
Nas minhas tentativas de educação e formação, eu sempre usava exemplos da natureza. Nas florestas da região, existe um inseto que tem a cabeça parecida com a de uma cobra. Com sua tromba, ele suga a seiva das árvores e a armazena em sua cabeça. Quando vem a seca anual, ele sobrevive. Infelizmente, este ente fascinante está em perigo de extinção, por causa das queimadas dos homens. Eu mencionava este animal para mostrar às pessoas como se prevenir: todos os anos, vinha a época mais fria e a chuva. Os buracos e goteiras nas cabanas deveriam ser consertados em tempo, isto é, antes da chuva chegar. Mas eles adiavam tudo e ficavam doentes, inevitavelmente.
É lógico que eu também cometia erros ou tinha que me contentar com sucessos parciais. Eu tratei de uma certa família com muita atenção. Ela estava praticamente morrendo de fome. A mulher era cega e tinha casado com um homem retardado mental. Os cinco filhos eram também deficientes. Depois de muitas tentativas em vão, eu consegui ensinar a dois dos filhos, a fazer tarefas simples. Com a pesca e a venda de frutas eles ganhavam o sustento da família. Pela primeira vez na vida, essa gente sentiu alegria e alívio. Bom, eu falei o suficiente por hoje. Possivelmente, eu não vou estar aqui por 1 ou 2 semanas.“
Anna perguntou: „Por quê? Nós sentiremos a sua falta.“
„Na próxima quinta-feira, eu tenho a minha primeira consulta com aquela oftalmologista em Lörrach. Eu vou aproveitar e visitar amigos na Suíça alemã.“
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