

8. Lepra – Parte I
Quando Rachel Steingruber, novamente, veio ao Lar dos Velhinhos de Brissago, faltava Rosa entre as suas ouvintes.
Anna esclareceu à visitante: „Na semana passada, a Rosa nos deixou. Todos nós estamos à espera da nossa última viagem. A vez dela chegou.“
„Ela não estava com cara de doente. Então, ela deve ter morrido depois que eu estive na casa da filha dela.“
„É, provavelmente. Rosa tinha 85 anos e o corpo dela estava cheio de câncer.“
„Eu sinto muito. Eu sinto não ter podido ajudá-la.“
„Mas você ajudou sim. Antes de fechar os olhos para sempre, ela se despediu de nós. Como a família dela não ligava muito para ela, eramos nós as pessoas mais próximas. Ela achou que você, contando as histórias da sua vida intensa, deixou as últimas semanas da vida dela mais interessantes. Ela te desejou tudo de bom.“
Graziella perguntou: „Como é que foi na oftalmologista?“
„Foi bem. Os medicamentos que ela me receitou já estão fazendo efeito. De um olho eu já estou cega. A vista do outro também está piorando. Neste momento está estável. Eu estou com catarata nos dois olhos e tenho que operar.“
„Mas os médicos, no cantão Appenzell, não fizeram esta diagnose?“
„Não.“
„Eu pensei que eles tinham feito esta operação lá.“
„Pelo visto não. Eu não sei bem porque eles não conseguiram curar o meu olho. Sem esta médica em Lörrach, eu provavelmente estaria cega dentro de pouco tempo. Agora eu tenho novamente esperanças.“
„Fico contente com isto. Mas, por favor, continue a sua narrativa. Nós estávamos sentindo muita falta dela.“
„A Rebecca estava mais uma vez no Brasil e cuidava do ambulatório. Meu irmão Benjamim, um jornalista e eu fizemos uma viagem para visitar os índios. De carro, nós fomos para Norte Londia, uma aldeia paupérrima, que já tinha vivido dias melhores, como centro dos garimpeiros de diamantes. Em pouco tempo, fui rodeada por dez mulheres e trinta crianças. Primeiro, conversei com uma criança cuja pele estava cheia de cicatrizes. Ela tinha nascido com sífilis. Eu a tratei numa cabana próxima. Depois chegou a vez dos outros pedintes de ajuda.
Dois dias mais tarde, nós chegamos à aldeia dos leprosos. Seus moradores (também havia crianças) estavam completamente desamparados. Eles se esconderam, com medo dos estranhos que estavam chegando. Mais tarde, um velho acenou para que chegássemos perto. Eu entrei na cabana sem vacilar. Dentro, encontrei um velho muito fraco e quase cego. Esta doença horrível tinha comido o nariz dele. Eu tratei dos ferimentos e dei-lhe remédios.“
A Rita perguntou: „A lepra tem cura?“
„Tem. Nas cidades maiores do Brasil existem clínicas para leprosos. Mas elas não são suficientes para atender a todas as vítimas desta doença. Eu duvido, também, que os funcionários se ocupem dos problemas dos doentes e os tratem como gente. Pela minha experiência, eu sei que a vontade ajuda muito na cura. Quando a gente afasta estes homens e mulheres da sociedade, os põe no isolamento e tem nojo deles, fazemos com que eles percam o resto da confiança em si e se tornem resignados. Eu tentei, além da medicação, fazer com que eles tenham novamente vontade de viver.“
Graziella falou: „Isto é evidente. Um certo isolamento nós temos também aqui no Lar dos Velhinhos. Nós fomos afastadas de nossas famílias, perdemos as nossas tarefas da vida e esperamos a morte chegar. Eu acho que, com motivação, alguns idosos ainda conseguiriam fazer muita coisa.“
„Certo. Esta tese foi confirmada pelos meus tratamentos aos leprosos. Por falar nisto, a emissora de televisão alemã (Bayerischen Rundfunk) vai reprisar, amanhã, um filme documentário sobre o meu trabalho. Eles mostram como eu tratei de uma mulher leprosa.“
As ouvintes disseram em coro: „Nós não queremos perder este filme.“
Anna completa: „Você já teve repercusões desta transmissão?“
„Tive. Algumas emissoras colocam, no fim do filme, o número da nossa conta de banco. Com isto, nós já tivemos novas doações. No ano passado, por causa desta história sobre a lepra, eu fiquei conhecendo uma velhinha de posses, que quer ajudar, com sua instituição, os leprosos no mundo inteiro. Nós nos encontramos diversas vezes e logo ficamos amigas. Ela doou uma quantia grande para a minha organização.“
„Você está usando este dinheiro para os leprosos?“
„Não. Nós estamos pensando em não deixar nossa obra de assistência dependendo das doações da Suíça. Nós planejamos instalar dois consultórios dentários no meu ambulatório. Em um, queremos tratar dos brasileiros que possam pagar os nossos serviços. No segundo, trataremos gratuitamente dos pacientes pobres. Um amigo meu, que já esteve várias vezes no Brasil e também no Mato Grosso, elaborou um projeto assim e coletou ofertas de fornecedores. O presente da doadora era designado para este fim, mas não sei se vou poder voltar a viajar pela selva e cuidar dos leprosos. Eu já estou sentindo bem a minha idade. E por causa da minha doença dos olhos, eu estou presa aqui na Suíça já há meses.“
„Quem está dirigindo a sua obra na sua ausência?“
„A Federação Espirita do Estado de Mato Grosso supervisiona interinamente sem cobrar nada. Os sócios ajudam também na prática. Em dias avulsos, um pediatra, um médico de clínica geral e uma ginecologista atendem algumas horas por dia, fazendo exames, diagnoses e receitas. Eu telefono para as minhas pessoas de contato. De acordo com elas, está tudo em ordem.“
„Você tem que pagar aos médicos?“
„Dois deles sim. O médico de clínica geral trabalha duas horas por semana, de graça. Eu, uma vez, lhe salvei uma criancinha.“
Anna perguntou: „ Se eu entendi direito, são brasileiros que cuidam dos negócios no momento. Você não precisa de suíços para a sua sucessão, para que tudo corra como seus doadores querem? Nosso povo é desconfiado e sempre quer saber onde o dinheiro fica. Com você no Brasil, isto era garantido. Mas o que acontece agora?“
„Você está fazendo uma pergunta bem delicada, minha querida. Você não imagina quantas vezes os meus amigos e eu quebramos a cabeça pensando sobre isto. Nós ponderamos assim como você. Muitas soluções não eram aceitáveis, mas nós não vamos desistir de encontrar algo viável.“
„Obrigada. Eu não queria te magoar. Será que você não vai achar alguns médicos que estejam dispostos a trabalhar, algumas horas por semana, de graça ?“
„Eu fico contente em ter a sua simpatia. Suas críticas são construtivas e vocês não ficam só ouvindo sem real interesse. Eu não gosto também de ter que pagar os médicos e eu vou seguir a sua sugestão, Anna. Na minha próxima viagem ao Brasil, eu tenho que achar uma solução conveniente.
Voltando a falar sobre a nossa viagem, nós visitamos outras aldeias de mestiços no sertão. Deixamos o carro na beira da selva e seguimos em direção à aldeia dos índios Nhambiquara. Pegamos uma tempestade torrencial por cinco horas seguidas.
O dia foi muito duro. Eu havia tratado de muitos pacientes. Á noite, os nativos nos convidaram para comer. O menu era carne de macaco assada por inteiro! O jornalista ficou com o rosto pálido e começou a reprimir vômitos. Ele se desculpou com os anfitriões, dizendo que estava com problemas de estômago. Benjamim e eu comemos as comidas, que foram servidas no chão, sem nem pestanejar. Nós estávamos acostumados com isto.
Mais tarde, nós tentamos dormir um pouco, mesmo com a incessante atividade dos índios. Eu retomei o meu trabalho bem cedinho de manhã. Para esta tribo, parecia que não havia diferença entre o dia e a noite. A qualquer hora do dia, alguns fabricavam setas, outros caçavam e ainda outros descansavam.
A maioria das pessoas estavam em péssimo estado de saúde. Mas eles eram amáveis. Eles sentiam alegria e tristeza como nós. Aqueles a quem eu ajudava ficavam imensamente gratos.
Nas minhas expedições eu mudava, continuamente, os meus planos de viagem e as rotas. Eu queria entrar em contato com pessoas desconhecidas. Apesar de ser pouco povoada, a selva tinha muita miséria.
Chegar até estes povos era mais perigoso do que lidar com eles. No passar dos anos, eu atravessei muitos rios. Em cavalgadas solitárias, eu encontrei onças. Panes de carro eram também umas das minhas aventuras. Uma vez, eu tive que esperar um tempão até que um caminhão passasse e me levasse. Mas o meu carro só ficou pronto depois de cinco dias.“
Graziella interrompeu: „Você contou que o Benjamim os acompanhou. O que aconteceu com ele?“
„Ele tinha o apelido de Tarzan brasileiro. Ele viveu, durante decênios, em cabanas sobre árvores. Ele também trabalhava junto com os índios como seringueiro, aprendendo com eles o seu modo de viver. Ele viveu por um longo período com os índios Caiapós, os Tapirapes e outras tribos menos conhecidas. Os Carajás chegaram até a adotá-lo. Mais tarde, ele vivia de bicos. Agora ele mora numa cabana simples, dormindo sobre uma tábua de madeira.“
„Coitado! Você não o ajuda?“
„Ajudo. Há anos que o presenteei com uma cama com colchão, que ele vendeu. Iria ficar mal, para um naturalista durão e pobre como ele, ter este tipo de conforto. Eu acho que nós da família Steingruber somos um tipo todo especial de gente, que não se deixa, facilmente, colocar em normas da sociedade. Mas deixe-me continuar:
Na minha casa existem caixas com cartas e anotações recebidas, principalmente, no período entre 1966 e 1975. Trata-se de cartas de agradecimento de antigos pacientes e seus familiares, ou também cartas de pedidos de pobres. Mesmo a antiga prefeita de Várzea Grande enviou-me um de seus funcionáriosos com uma recomendação para que eu o tratasse. Bilhetes assim, eu recebia em tudo quanto é língua.“
Anna falou:“ Eu tenho o pressentimento que, às vezes, as pessoas de posses passaram a responsabilidade para você. Porque é que eles não mandavam os pobres diretamente para o médico ou para o hospital, com vale de atendimento?“
„A sua pergunta soa como heresia, mas eu receio que você tenha razão. Com o meu modo de pensar positivo, eu nunca tive pesamentos assim. Eu achava que as pessoas me procuravam porque confiavam no meu trabalho e nos meus conhecimentos.
Eu contei a vocês a respeito da Fátima: a menina com os dedos e dedões grudados. Quando eu a encontrei a primeira vez, eu achei que a família dela era pobre. Através da mãe, nós informamos ao pai, que me escreveu uma carta de agradecimento. Eu fiquei surpresa quando vi o cabeçalho da carta, cujo remetente era o coronel Fabriciano. O homem era coronel e trabalhava para o Estado de Minas Gerais. Eu tinha que supor que o homem não era um pobrezinho.“
A Rita perguntou: “Um homem assim poderia, com suas relações, ter ajudado a sua filha muito antes. Para a menina, depois de 14 anos de sofrimento, foi um acaso te encontrar num quarto de fundos de um restaurante.“
„O seu raciocínio está certo, Rita. A minha recompensa está na chance de conseguir amenizar a dor, curar as feridas, salvar as vidas e também na gratidão dos favorecidos. Se eu tivesse perguntado, a cada paciente, porque ele tinha justamente vindo até mim, eu não poderia ter me estabelecido no Mato Grosso. As pessoas precisavam de ajuda e eu lhes dei. Infelizmente, a nossa mentalidade quer sempre saber o motivo de tudo, e sempre receamos sermos explorados. Isto nos leva a preferir não ajudar do que fazer algo falso. Assim, sofrem muitos ino-centes. Posteriormente eu percebi que muita gente aproveitou da minha benevolência, mas isto, cada um tem que acertar com a sua consciência. Eu nunca achei que estava sendo explorada e a maioria eram boas experiências.“
Graziella falou:“Você tem razão. Sempre há alguma ovelha negra. Em muitos países do terceiro mundo, o povo passa fome e a classe dominante e os políticos vivem em abastança. Nós poderiamos, simplesmente, ignorá-los também, mas deixaria este povo ainda mais desamparados, como em muitos casos que vemos, diariamente, na televisão.“
„Como eu já disse, eu tenho muito mais recordações positivas. Assim, eu consegui curar o Zau, um menino de 8 anos de idade, de uma infecção pulmonar. Quando ele sarou, fez uma caminhada noturna até o meu ambulatório. Como prova da gratidão dos seus pais, ele me trouxe alguns ovos. Muito mais valioso do que o presente, foi constatar a volta de suas forças.
Quando Rachel Steingruber, novamente, veio ao Lar dos Velhinhos de Brissago, faltava Rosa entre as suas ouvintes.
Anna esclareceu à visitante: „Na semana passada, a Rosa nos deixou. Todos nós estamos à espera da nossa última viagem. A vez dela chegou.“
„Ela não estava com cara de doente. Então, ela deve ter morrido depois que eu estive na casa da filha dela.“
„É, provavelmente. Rosa tinha 85 anos e o corpo dela estava cheio de câncer.“
„Eu sinto muito. Eu sinto não ter podido ajudá-la.“
„Mas você ajudou sim. Antes de fechar os olhos para sempre, ela se despediu de nós. Como a família dela não ligava muito para ela, eramos nós as pessoas mais próximas. Ela achou que você, contando as histórias da sua vida intensa, deixou as últimas semanas da vida dela mais interessantes. Ela te desejou tudo de bom.“
Graziella perguntou: „Como é que foi na oftalmologista?“
„Foi bem. Os medicamentos que ela me receitou já estão fazendo efeito. De um olho eu já estou cega. A vista do outro também está piorando. Neste momento está estável. Eu estou com catarata nos dois olhos e tenho que operar.“
„Mas os médicos, no cantão Appenzell, não fizeram esta diagnose?“
„Não.“
„Eu pensei que eles tinham feito esta operação lá.“
„Pelo visto não. Eu não sei bem porque eles não conseguiram curar o meu olho. Sem esta médica em Lörrach, eu provavelmente estaria cega dentro de pouco tempo. Agora eu tenho novamente esperanças.“
„Fico contente com isto. Mas, por favor, continue a sua narrativa. Nós estávamos sentindo muita falta dela.“
„A Rebecca estava mais uma vez no Brasil e cuidava do ambulatório. Meu irmão Benjamim, um jornalista e eu fizemos uma viagem para visitar os índios. De carro, nós fomos para Norte Londia, uma aldeia paupérrima, que já tinha vivido dias melhores, como centro dos garimpeiros de diamantes. Em pouco tempo, fui rodeada por dez mulheres e trinta crianças. Primeiro, conversei com uma criança cuja pele estava cheia de cicatrizes. Ela tinha nascido com sífilis. Eu a tratei numa cabana próxima. Depois chegou a vez dos outros pedintes de ajuda.
Dois dias mais tarde, nós chegamos à aldeia dos leprosos. Seus moradores (também havia crianças) estavam completamente desamparados. Eles se esconderam, com medo dos estranhos que estavam chegando. Mais tarde, um velho acenou para que chegássemos perto. Eu entrei na cabana sem vacilar. Dentro, encontrei um velho muito fraco e quase cego. Esta doença horrível tinha comido o nariz dele. Eu tratei dos ferimentos e dei-lhe remédios.“
A Rita perguntou: „A lepra tem cura?“
„Tem. Nas cidades maiores do Brasil existem clínicas para leprosos. Mas elas não são suficientes para atender a todas as vítimas desta doença. Eu duvido, também, que os funcionários se ocupem dos problemas dos doentes e os tratem como gente. Pela minha experiência, eu sei que a vontade ajuda muito na cura. Quando a gente afasta estes homens e mulheres da sociedade, os põe no isolamento e tem nojo deles, fazemos com que eles percam o resto da confiança em si e se tornem resignados. Eu tentei, além da medicação, fazer com que eles tenham novamente vontade de viver.“
Graziella falou: „Isto é evidente. Um certo isolamento nós temos também aqui no Lar dos Velhinhos. Nós fomos afastadas de nossas famílias, perdemos as nossas tarefas da vida e esperamos a morte chegar. Eu acho que, com motivação, alguns idosos ainda conseguiriam fazer muita coisa.“
„Certo. Esta tese foi confirmada pelos meus tratamentos aos leprosos. Por falar nisto, a emissora de televisão alemã (Bayerischen Rundfunk) vai reprisar, amanhã, um filme documentário sobre o meu trabalho. Eles mostram como eu tratei de uma mulher leprosa.“
As ouvintes disseram em coro: „Nós não queremos perder este filme.“
Anna completa: „Você já teve repercusões desta transmissão?“
„Tive. Algumas emissoras colocam, no fim do filme, o número da nossa conta de banco. Com isto, nós já tivemos novas doações. No ano passado, por causa desta história sobre a lepra, eu fiquei conhecendo uma velhinha de posses, que quer ajudar, com sua instituição, os leprosos no mundo inteiro. Nós nos encontramos diversas vezes e logo ficamos amigas. Ela doou uma quantia grande para a minha organização.“
„Você está usando este dinheiro para os leprosos?“
„Não. Nós estamos pensando em não deixar nossa obra de assistência dependendo das doações da Suíça. Nós planejamos instalar dois consultórios dentários no meu ambulatório. Em um, queremos tratar dos brasileiros que possam pagar os nossos serviços. No segundo, trataremos gratuitamente dos pacientes pobres. Um amigo meu, que já esteve várias vezes no Brasil e também no Mato Grosso, elaborou um projeto assim e coletou ofertas de fornecedores. O presente da doadora era designado para este fim, mas não sei se vou poder voltar a viajar pela selva e cuidar dos leprosos. Eu já estou sentindo bem a minha idade. E por causa da minha doença dos olhos, eu estou presa aqui na Suíça já há meses.“
„Quem está dirigindo a sua obra na sua ausência?“
„A Federação Espirita do Estado de Mato Grosso supervisiona interinamente sem cobrar nada. Os sócios ajudam também na prática. Em dias avulsos, um pediatra, um médico de clínica geral e uma ginecologista atendem algumas horas por dia, fazendo exames, diagnoses e receitas. Eu telefono para as minhas pessoas de contato. De acordo com elas, está tudo em ordem.“
„Você tem que pagar aos médicos?“
„Dois deles sim. O médico de clínica geral trabalha duas horas por semana, de graça. Eu, uma vez, lhe salvei uma criancinha.“
Anna perguntou: „ Se eu entendi direito, são brasileiros que cuidam dos negócios no momento. Você não precisa de suíços para a sua sucessão, para que tudo corra como seus doadores querem? Nosso povo é desconfiado e sempre quer saber onde o dinheiro fica. Com você no Brasil, isto era garantido. Mas o que acontece agora?“
„Você está fazendo uma pergunta bem delicada, minha querida. Você não imagina quantas vezes os meus amigos e eu quebramos a cabeça pensando sobre isto. Nós ponderamos assim como você. Muitas soluções não eram aceitáveis, mas nós não vamos desistir de encontrar algo viável.“
„Obrigada. Eu não queria te magoar. Será que você não vai achar alguns médicos que estejam dispostos a trabalhar, algumas horas por semana, de graça ?“
„Eu fico contente em ter a sua simpatia. Suas críticas são construtivas e vocês não ficam só ouvindo sem real interesse. Eu não gosto também de ter que pagar os médicos e eu vou seguir a sua sugestão, Anna. Na minha próxima viagem ao Brasil, eu tenho que achar uma solução conveniente.
Voltando a falar sobre a nossa viagem, nós visitamos outras aldeias de mestiços no sertão. Deixamos o carro na beira da selva e seguimos em direção à aldeia dos índios Nhambiquara. Pegamos uma tempestade torrencial por cinco horas seguidas.
O dia foi muito duro. Eu havia tratado de muitos pacientes. Á noite, os nativos nos convidaram para comer. O menu era carne de macaco assada por inteiro! O jornalista ficou com o rosto pálido e começou a reprimir vômitos. Ele se desculpou com os anfitriões, dizendo que estava com problemas de estômago. Benjamim e eu comemos as comidas, que foram servidas no chão, sem nem pestanejar. Nós estávamos acostumados com isto.
Mais tarde, nós tentamos dormir um pouco, mesmo com a incessante atividade dos índios. Eu retomei o meu trabalho bem cedinho de manhã. Para esta tribo, parecia que não havia diferença entre o dia e a noite. A qualquer hora do dia, alguns fabricavam setas, outros caçavam e ainda outros descansavam.
A maioria das pessoas estavam em péssimo estado de saúde. Mas eles eram amáveis. Eles sentiam alegria e tristeza como nós. Aqueles a quem eu ajudava ficavam imensamente gratos.
Nas minhas expedições eu mudava, continuamente, os meus planos de viagem e as rotas. Eu queria entrar em contato com pessoas desconhecidas. Apesar de ser pouco povoada, a selva tinha muita miséria.
Chegar até estes povos era mais perigoso do que lidar com eles. No passar dos anos, eu atravessei muitos rios. Em cavalgadas solitárias, eu encontrei onças. Panes de carro eram também umas das minhas aventuras. Uma vez, eu tive que esperar um tempão até que um caminhão passasse e me levasse. Mas o meu carro só ficou pronto depois de cinco dias.“
Graziella interrompeu: „Você contou que o Benjamim os acompanhou. O que aconteceu com ele?“
„Ele tinha o apelido de Tarzan brasileiro. Ele viveu, durante decênios, em cabanas sobre árvores. Ele também trabalhava junto com os índios como seringueiro, aprendendo com eles o seu modo de viver. Ele viveu por um longo período com os índios Caiapós, os Tapirapes e outras tribos menos conhecidas. Os Carajás chegaram até a adotá-lo. Mais tarde, ele vivia de bicos. Agora ele mora numa cabana simples, dormindo sobre uma tábua de madeira.“
„Coitado! Você não o ajuda?“
„Ajudo. Há anos que o presenteei com uma cama com colchão, que ele vendeu. Iria ficar mal, para um naturalista durão e pobre como ele, ter este tipo de conforto. Eu acho que nós da família Steingruber somos um tipo todo especial de gente, que não se deixa, facilmente, colocar em normas da sociedade. Mas deixe-me continuar:
Na minha casa existem caixas com cartas e anotações recebidas, principalmente, no período entre 1966 e 1975. Trata-se de cartas de agradecimento de antigos pacientes e seus familiares, ou também cartas de pedidos de pobres. Mesmo a antiga prefeita de Várzea Grande enviou-me um de seus funcionáriosos com uma recomendação para que eu o tratasse. Bilhetes assim, eu recebia em tudo quanto é língua.“
Anna falou:“ Eu tenho o pressentimento que, às vezes, as pessoas de posses passaram a responsabilidade para você. Porque é que eles não mandavam os pobres diretamente para o médico ou para o hospital, com vale de atendimento?“
„A sua pergunta soa como heresia, mas eu receio que você tenha razão. Com o meu modo de pensar positivo, eu nunca tive pesamentos assim. Eu achava que as pessoas me procuravam porque confiavam no meu trabalho e nos meus conhecimentos.
Eu contei a vocês a respeito da Fátima: a menina com os dedos e dedões grudados. Quando eu a encontrei a primeira vez, eu achei que a família dela era pobre. Através da mãe, nós informamos ao pai, que me escreveu uma carta de agradecimento. Eu fiquei surpresa quando vi o cabeçalho da carta, cujo remetente era o coronel Fabriciano. O homem era coronel e trabalhava para o Estado de Minas Gerais. Eu tinha que supor que o homem não era um pobrezinho.“
A Rita perguntou: “Um homem assim poderia, com suas relações, ter ajudado a sua filha muito antes. Para a menina, depois de 14 anos de sofrimento, foi um acaso te encontrar num quarto de fundos de um restaurante.“
„O seu raciocínio está certo, Rita. A minha recompensa está na chance de conseguir amenizar a dor, curar as feridas, salvar as vidas e também na gratidão dos favorecidos. Se eu tivesse perguntado, a cada paciente, porque ele tinha justamente vindo até mim, eu não poderia ter me estabelecido no Mato Grosso. As pessoas precisavam de ajuda e eu lhes dei. Infelizmente, a nossa mentalidade quer sempre saber o motivo de tudo, e sempre receamos sermos explorados. Isto nos leva a preferir não ajudar do que fazer algo falso. Assim, sofrem muitos ino-centes. Posteriormente eu percebi que muita gente aproveitou da minha benevolência, mas isto, cada um tem que acertar com a sua consciência. Eu nunca achei que estava sendo explorada e a maioria eram boas experiências.“
Graziella falou:“Você tem razão. Sempre há alguma ovelha negra. Em muitos países do terceiro mundo, o povo passa fome e a classe dominante e os políticos vivem em abastança. Nós poderiamos, simplesmente, ignorá-los também, mas deixaria este povo ainda mais desamparados, como em muitos casos que vemos, diariamente, na televisão.“
„Como eu já disse, eu tenho muito mais recordações positivas. Assim, eu consegui curar o Zau, um menino de 8 anos de idade, de uma infecção pulmonar. Quando ele sarou, fez uma caminhada noturna até o meu ambulatório. Como prova da gratidão dos seus pais, ele me trouxe alguns ovos. Muito mais valioso do que o presente, foi constatar a volta de suas forças.
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