


8. Lepra – Parte II
Já nos anos 70, eu comecei a pensar na continuidade da minha obra, mesmo após a minha morte. Eu planejava ensinar o meu trabalho aos nativos. Também dsejava instalar mais quatro pequenos ambulatórios, a centenas de quilômetros de distância de Várzea Grande. A minha meta era que, finalmente, brasileiros tomassem o meu lugar. Como eu já mencionei antes, eu não pude realizar estes meus sonhos. Vocês também perceberam, com certeza, que uma pessoa de confiança ou um controlador da Suíça deveria supervisionar a obra, para garantir o fluxo das doações da pátria.
„Como eu relatei da última vez, as autoridades brasileiras começaram a me dar atenção. Em 1972, eu fui abordada na rua por representantes do governo. Eles me solicitaram ajuda-los no combate às epidemias nas aldeias indígenas. Assim, eu chegava a ficar durante um mês inteiro no mato. Eu fiz isto por amor ao próximo e nunca pensei em política. Do contrário, eu teria que cogitar se morrem mais nativos pelos viros ou sob a salva das metralhadoras dos brancos. O governo não gastava com ações caras e de grande porte. Na verdade, os políticos nem ligavam se os índios morriam ou não. Para que ninguém os culpasse de nada fazer, eles mandavam pessoas, como eu, que faziam milagres com pouca verba. Ainda bem que a FUNAI, ou quem me mandasse, assumia o meu transporte.
Nas regiões de miséria do sertão, na parte norte da Bacia Amazônica, eu encontrei coisas mais valiosas do que ouro ou diamantes, a sincera hospitalidade.
Os moradores me convidavam para entrar, e diziam que a casa era minha.
Muitas vezes, esta casa era construída somente com folhas de bananeira trançadas, e sem conforto algum. Mesmo água potável era coisa rara. Depois de um parto, do tratamento de uma doença ou ferimento, as famílias queriam me recompensar. Eu aceitava então um chá. Assim, eu pelo menos tinha a certeza de que a água era fervida.
Mesmo assim, eu muitas vezes tinha que me forçar para engolir o tal chá. Numa aldeia indígena, eu ajudei uma criança a vir ao mundo. Várias mulheres aguardavam en frente à cabana e admiraram depois o recém-nascido. A avó fez um chá e o serviu em uma lata de conserva vazia. As mulheres bebiam, mas não entraram em acordo sobre a quantidade de açúcar necessário. Mulheres com sífilis, com dentes podres e com outras doenças passavam a lata de boca em boca, experimentavam o chá e faziam o seu comentário. Depois de todas provarem, chegou a minha vez ... Graças a Deus a lata estava vazia!
Por amor de Deus! – Esta era a súplica fervorosa dos habitantes da Região Amazônica que eu ouvia noite e dia. Certa vez, esse grito de emergência soou, após a meia noite, em frente a minha casa.
Eu abri a porta e diante dela estava um vulto escuro e magro, do qual eu mal podia ver os olhos. Do balbuciar desesperado eu, a princípio, só entendi repetidamente: ela está morrendo... Já há 14 dias que dona Naila estava em trabalho de parto e a criança não nascia. O marido dela tinha saído para procurar ajuda e não voltou mais.
Toninho, o irmão da Naila, comentou que, neste meio tempo, as almas chegaram e sacudiram tanto a mulher, que mesmo a rede e as folhas de bananeira do telhado estavam tremendo.
Eu bem podia imaginar o que tinha acontecido. A pobre mãe estava em perigo de vida com ataques de eclâmpsia. Eu sempre tinha todo o necessário dentro da mi-nha maleta de parteira, mas para emergências eu tinha uma injeção de Lobelin para adultos e para crianças. Como eu já esperava não encontrar água, eu levei comigo um bidão cheio de água fervida. Não esqueci também da lanterna elétrica. Nesta região não havia nem ruas nem luz de rua. Na maioria das vezes, a iluminação insuficiente das cabanas era feita com um lampião a petróleo. Eu coloquei as minhas botas e lá fomos nós.
Eu perguntei onde morava a mulher.
A resposta foi – bem aí... Eu já tinha ouvido isto muitas vezes e sabia o que podia significar.
Depois de uma caminhada de duas horas através da areia ainda quente do sol e coberta de espinheiros, o Toninho perguntou-me se eu não gostaria de tirar as botas. Ele achava que com elas eu cansava mais.
Mal ele tinha feito este comentário, eu recebi uma picada de uma cobra Boipeva. As botas foram a minha salvação. Continuando a caminhada, nós chegamos ao rio. Meu acompanhante pediu que eu esperasse, pois, ele iria buscar a canoa, que estava amarrada num galho.
Ele desapareceu e ainda estava escuro. Eu estava só, mas não totalmente. Muitos mosquitos, pequenas moscas, formigas, aranhas, besouros de 20 centímetros de comprimento, centopéias e grandes pirilampos me faziam companhia. Eu nem ligava para as inúmeras picadas de mosquitos. Meus pensamentos estavam com a pobre da Naila. Eu rezei para que Deus a deixasse viver. O tempo passava tão devagar enquanto eu esperava...
Depois de quase uma hora, eu ouvi um pau de bambú (é o que os nativos costumam usar como remo) batendo n’água. Um homem me chamou.
Enfim, era o Toninho que atracava sua canoa. O galho, no qual ele havia amarrado a canoa, havia quebrado e ele teve que buscá-la 500 metros rio abaixo. Ele a encontrou presa entre árvores caídas. Eu logo subi e ele remou cuidadosamente. Eu mal respirava de tanto medo.
As raízes das árvores, no barranco da margem no outro lado, pareciam cobras na escuridão. Nós desviamos delas com cuidado ao desembarcar. Passou-se mais uma hora e nós continuávamos a caminhar. É longe ainda? A noção do tempo dos nativos é diferente da nossa. „Bem aí“ podia significar uma caminhada de dois ou três quilômetros, mas também podia ser uma viagem de dois ou três dias.
Enfim, chegamos à aldeia. Não se conseguia ainda enxergar bem. Os arbustos praticamente cobriam as casinhas. Os gritos das mulheres nos avisavam que estávamos chegando perto da pobre mãe. Ela estava deitada numa cabana minúscula de mais ou menos 2 por 2 metros, rodeada de tantas donas, que eu mal pude me aproximar. Enquanto ela estava esperando por ajuda, as mulheres ti-nham secado cocô de vaca na fumaça, para afastar os mosquitos e abanavam a parturiente com um chapéu de palha.
Dona Naila estava deitada, toda molhada de suor e mostrava todas as complicações de uma eclâmpsia.
Eu mandei as presentes estenderem um lençol no chão e por a paciente em cima dele. A cabeça dela deveria ficar porta afora, do contrário eu não teria lugar para trabalhar.
Como não havia conforto algum nestas moradias, eu tive que fazer o meu trabalho de joelhos no chão. Os instrumentos esterilizados estavam sobre um pano ao meu lado. O tempo todo eu tinha que ficar chamando a atenção das outras para não cuspirem no pano.“
Graziella interrompeu: „Mas isto não era evidente?“
„Não. Como eu já comentei antes, por causa da poeira intensa, durante o período de seca, os mestiços viviam cuspindo....
Eu não sei quem tremia mais, Naila, a que ia ser mãe com sua eclâmpsia ou eu com o meu ataque de malária, cheia de calafrios. Eu não podia pensar em mim. Eu tinha que me apressar. Eu quase que não ouvia as batidas do coração do neném. Eu rezei para que Deus me ajudasse – Só um parto de forceps poderia salvar a mãe e o filho. As parentes e vizinhas anêmicas e fracas não tinham forças para me ajudar no parto. Eu não tive outra solução a não ser passar um lençol por baixo dos braços de Naila e amarrar as pontas nos batentes da porta. Eu cuidei para que ela, apesar disso, ficasse deitada com o máximo de conforto possível...
Nasceu um menino com asfixia branca, e só depois de um tempo consegui fazê-lo chorar. Neste momento os vizinhos ouviram e vieram todos olhar a bela criancinha. A mãe chorava de alegria e eu morria de gratidão, pois, mesmo com toda a improvisação e os meus 40 graus de febre, tudo transcorreu bem. Uma das tias ofereceu chá para todos. Eu estava louca para conseguir algo para beber. Mas primeiro eu tive que verificar se não era um „chá medicinal“ feito de cocô de cachorro. Este era tradicional no sertão quando uma mulher ganhava um filho.
Eu dei uma injeção intravenosa para fortalecer dona Naila e logo ela se sentiu melhor. Sua irmã amarrou folhas de fumo no pescoço dela para protegê-la contra os mosquitos e moscas. Contra a febre e para refrescar, colocou taturanas amassadas na testa dela. Ela teve também que ficar segurando um prego enferrujado para fortalecer.
Era muito difícil convencer esta ajudante de que Naila não precisava de todos estes remedinhos. Ela também não quis entender que eu precisava continuar cuidando da mãe lá em casa. O Toninho correu na frente, escorregando várias vezes pelo barranco, para organizar uma canoa maior.
Enquanto nós esperávamos, um homem deu três tiros para o ar, em homenagem ao recém-nascido. Se fosse uma menina eram só dois tiros. Como aqui não havia nem correio, nem telegrafia, nem telefone, nem qualquer outro meio de comunicação, este era o meio mais rápido de comunicar a boa nova do nascimento e também do sexo do neném.
Naila se recuperou bem. No ambulatório, eu a livrei também das amebas e extraí doze dentes infeccionados, que lhe faziam muito mal. O marido dela tinha ouvido a notícia, voltou para casa e depois foi até Várzea Grande. Eu tratei do fígado enfermo dele. Quando ele sarou, eu o mandei para Cuiabá, onde ele fez um aprendizado de padeiro.
Mais tarde ele fazia o pão para a aldeia dele toda. Sempre quando eu passava por lá, ele me presenteava com um delicioso pãozinho. Mas eu não seria chamada „o anjo do Mato Grosso“, se eu tivesse comido este pão. Nas minhas longas viagens, eu o dava para o próximo pobre esfomiado.. é lógico.
Anna perguntou: „Quantos partos você fez ?“
„Eu não sei. Quando cheguei no milésimo, eu parei de contar. Neste meio tempo podem bem ser mais de 3000. – Até agora eu sempre fiz as minhas narrativas aqui. Vocês não querem vir, depois do almoço, para a minha casa? Lá eu posso mostrar-lhes minhas peças de recordação, documentos e fotos, para que vocês tenham uma idéia melhor de tudo.“
Maria respondeu espontaneamente: „Pois eu vou com prazer. Você até que mora perto daqui. Eu acho que nós damos conta, né? Mas amanhã nós faremos uma pausa, para que possamos nos concentrar no programa de televisão. Depois de amanhã, poderemos conversar a respeito do filme.“
Suas três amigas não fizeram objeção nenhuma.
Já nos anos 70, eu comecei a pensar na continuidade da minha obra, mesmo após a minha morte. Eu planejava ensinar o meu trabalho aos nativos. Também dsejava instalar mais quatro pequenos ambulatórios, a centenas de quilômetros de distância de Várzea Grande. A minha meta era que, finalmente, brasileiros tomassem o meu lugar. Como eu já mencionei antes, eu não pude realizar estes meus sonhos. Vocês também perceberam, com certeza, que uma pessoa de confiança ou um controlador da Suíça deveria supervisionar a obra, para garantir o fluxo das doações da pátria.
„Como eu relatei da última vez, as autoridades brasileiras começaram a me dar atenção. Em 1972, eu fui abordada na rua por representantes do governo. Eles me solicitaram ajuda-los no combate às epidemias nas aldeias indígenas. Assim, eu chegava a ficar durante um mês inteiro no mato. Eu fiz isto por amor ao próximo e nunca pensei em política. Do contrário, eu teria que cogitar se morrem mais nativos pelos viros ou sob a salva das metralhadoras dos brancos. O governo não gastava com ações caras e de grande porte. Na verdade, os políticos nem ligavam se os índios morriam ou não. Para que ninguém os culpasse de nada fazer, eles mandavam pessoas, como eu, que faziam milagres com pouca verba. Ainda bem que a FUNAI, ou quem me mandasse, assumia o meu transporte.
Nas regiões de miséria do sertão, na parte norte da Bacia Amazônica, eu encontrei coisas mais valiosas do que ouro ou diamantes, a sincera hospitalidade.
Os moradores me convidavam para entrar, e diziam que a casa era minha.
Muitas vezes, esta casa era construída somente com folhas de bananeira trançadas, e sem conforto algum. Mesmo água potável era coisa rara. Depois de um parto, do tratamento de uma doença ou ferimento, as famílias queriam me recompensar. Eu aceitava então um chá. Assim, eu pelo menos tinha a certeza de que a água era fervida.
Mesmo assim, eu muitas vezes tinha que me forçar para engolir o tal chá. Numa aldeia indígena, eu ajudei uma criança a vir ao mundo. Várias mulheres aguardavam en frente à cabana e admiraram depois o recém-nascido. A avó fez um chá e o serviu em uma lata de conserva vazia. As mulheres bebiam, mas não entraram em acordo sobre a quantidade de açúcar necessário. Mulheres com sífilis, com dentes podres e com outras doenças passavam a lata de boca em boca, experimentavam o chá e faziam o seu comentário. Depois de todas provarem, chegou a minha vez ... Graças a Deus a lata estava vazia!
Por amor de Deus! – Esta era a súplica fervorosa dos habitantes da Região Amazônica que eu ouvia noite e dia. Certa vez, esse grito de emergência soou, após a meia noite, em frente a minha casa.
Eu abri a porta e diante dela estava um vulto escuro e magro, do qual eu mal podia ver os olhos. Do balbuciar desesperado eu, a princípio, só entendi repetidamente: ela está morrendo... Já há 14 dias que dona Naila estava em trabalho de parto e a criança não nascia. O marido dela tinha saído para procurar ajuda e não voltou mais.
Toninho, o irmão da Naila, comentou que, neste meio tempo, as almas chegaram e sacudiram tanto a mulher, que mesmo a rede e as folhas de bananeira do telhado estavam tremendo.
Eu bem podia imaginar o que tinha acontecido. A pobre mãe estava em perigo de vida com ataques de eclâmpsia. Eu sempre tinha todo o necessário dentro da mi-nha maleta de parteira, mas para emergências eu tinha uma injeção de Lobelin para adultos e para crianças. Como eu já esperava não encontrar água, eu levei comigo um bidão cheio de água fervida. Não esqueci também da lanterna elétrica. Nesta região não havia nem ruas nem luz de rua. Na maioria das vezes, a iluminação insuficiente das cabanas era feita com um lampião a petróleo. Eu coloquei as minhas botas e lá fomos nós.
Eu perguntei onde morava a mulher.
A resposta foi – bem aí... Eu já tinha ouvido isto muitas vezes e sabia o que podia significar.
Depois de uma caminhada de duas horas através da areia ainda quente do sol e coberta de espinheiros, o Toninho perguntou-me se eu não gostaria de tirar as botas. Ele achava que com elas eu cansava mais.
Mal ele tinha feito este comentário, eu recebi uma picada de uma cobra Boipeva. As botas foram a minha salvação. Continuando a caminhada, nós chegamos ao rio. Meu acompanhante pediu que eu esperasse, pois, ele iria buscar a canoa, que estava amarrada num galho.
Ele desapareceu e ainda estava escuro. Eu estava só, mas não totalmente. Muitos mosquitos, pequenas moscas, formigas, aranhas, besouros de 20 centímetros de comprimento, centopéias e grandes pirilampos me faziam companhia. Eu nem ligava para as inúmeras picadas de mosquitos. Meus pensamentos estavam com a pobre da Naila. Eu rezei para que Deus a deixasse viver. O tempo passava tão devagar enquanto eu esperava...
Depois de quase uma hora, eu ouvi um pau de bambú (é o que os nativos costumam usar como remo) batendo n’água. Um homem me chamou.
Enfim, era o Toninho que atracava sua canoa. O galho, no qual ele havia amarrado a canoa, havia quebrado e ele teve que buscá-la 500 metros rio abaixo. Ele a encontrou presa entre árvores caídas. Eu logo subi e ele remou cuidadosamente. Eu mal respirava de tanto medo.
As raízes das árvores, no barranco da margem no outro lado, pareciam cobras na escuridão. Nós desviamos delas com cuidado ao desembarcar. Passou-se mais uma hora e nós continuávamos a caminhar. É longe ainda? A noção do tempo dos nativos é diferente da nossa. „Bem aí“ podia significar uma caminhada de dois ou três quilômetros, mas também podia ser uma viagem de dois ou três dias.
Enfim, chegamos à aldeia. Não se conseguia ainda enxergar bem. Os arbustos praticamente cobriam as casinhas. Os gritos das mulheres nos avisavam que estávamos chegando perto da pobre mãe. Ela estava deitada numa cabana minúscula de mais ou menos 2 por 2 metros, rodeada de tantas donas, que eu mal pude me aproximar. Enquanto ela estava esperando por ajuda, as mulheres ti-nham secado cocô de vaca na fumaça, para afastar os mosquitos e abanavam a parturiente com um chapéu de palha.
Dona Naila estava deitada, toda molhada de suor e mostrava todas as complicações de uma eclâmpsia.
Eu mandei as presentes estenderem um lençol no chão e por a paciente em cima dele. A cabeça dela deveria ficar porta afora, do contrário eu não teria lugar para trabalhar.
Como não havia conforto algum nestas moradias, eu tive que fazer o meu trabalho de joelhos no chão. Os instrumentos esterilizados estavam sobre um pano ao meu lado. O tempo todo eu tinha que ficar chamando a atenção das outras para não cuspirem no pano.“
Graziella interrompeu: „Mas isto não era evidente?“
„Não. Como eu já comentei antes, por causa da poeira intensa, durante o período de seca, os mestiços viviam cuspindo....
Eu não sei quem tremia mais, Naila, a que ia ser mãe com sua eclâmpsia ou eu com o meu ataque de malária, cheia de calafrios. Eu não podia pensar em mim. Eu tinha que me apressar. Eu quase que não ouvia as batidas do coração do neném. Eu rezei para que Deus me ajudasse – Só um parto de forceps poderia salvar a mãe e o filho. As parentes e vizinhas anêmicas e fracas não tinham forças para me ajudar no parto. Eu não tive outra solução a não ser passar um lençol por baixo dos braços de Naila e amarrar as pontas nos batentes da porta. Eu cuidei para que ela, apesar disso, ficasse deitada com o máximo de conforto possível...
Nasceu um menino com asfixia branca, e só depois de um tempo consegui fazê-lo chorar. Neste momento os vizinhos ouviram e vieram todos olhar a bela criancinha. A mãe chorava de alegria e eu morria de gratidão, pois, mesmo com toda a improvisação e os meus 40 graus de febre, tudo transcorreu bem. Uma das tias ofereceu chá para todos. Eu estava louca para conseguir algo para beber. Mas primeiro eu tive que verificar se não era um „chá medicinal“ feito de cocô de cachorro. Este era tradicional no sertão quando uma mulher ganhava um filho.
Eu dei uma injeção intravenosa para fortalecer dona Naila e logo ela se sentiu melhor. Sua irmã amarrou folhas de fumo no pescoço dela para protegê-la contra os mosquitos e moscas. Contra a febre e para refrescar, colocou taturanas amassadas na testa dela. Ela teve também que ficar segurando um prego enferrujado para fortalecer.
Era muito difícil convencer esta ajudante de que Naila não precisava de todos estes remedinhos. Ela também não quis entender que eu precisava continuar cuidando da mãe lá em casa. O Toninho correu na frente, escorregando várias vezes pelo barranco, para organizar uma canoa maior.
Enquanto nós esperávamos, um homem deu três tiros para o ar, em homenagem ao recém-nascido. Se fosse uma menina eram só dois tiros. Como aqui não havia nem correio, nem telegrafia, nem telefone, nem qualquer outro meio de comunicação, este era o meio mais rápido de comunicar a boa nova do nascimento e também do sexo do neném.
Naila se recuperou bem. No ambulatório, eu a livrei também das amebas e extraí doze dentes infeccionados, que lhe faziam muito mal. O marido dela tinha ouvido a notícia, voltou para casa e depois foi até Várzea Grande. Eu tratei do fígado enfermo dele. Quando ele sarou, eu o mandei para Cuiabá, onde ele fez um aprendizado de padeiro.
Mais tarde ele fazia o pão para a aldeia dele toda. Sempre quando eu passava por lá, ele me presenteava com um delicioso pãozinho. Mas eu não seria chamada „o anjo do Mato Grosso“, se eu tivesse comido este pão. Nas minhas longas viagens, eu o dava para o próximo pobre esfomiado.. é lógico.
Anna perguntou: „Quantos partos você fez ?“
„Eu não sei. Quando cheguei no milésimo, eu parei de contar. Neste meio tempo podem bem ser mais de 3000. – Até agora eu sempre fiz as minhas narrativas aqui. Vocês não querem vir, depois do almoço, para a minha casa? Lá eu posso mostrar-lhes minhas peças de recordação, documentos e fotos, para que vocês tenham uma idéia melhor de tudo.“
Maria respondeu espontaneamente: „Pois eu vou com prazer. Você até que mora perto daqui. Eu acho que nós damos conta, né? Mas amanhã nós faremos uma pausa, para que possamos nos concentrar no programa de televisão. Depois de amanhã, poderemos conversar a respeito do filme.“
Suas três amigas não fizeram objeção nenhuma.
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